V
Petição do
Padre Antônio Vieira
ao Tribunal do Santo Ofício de Coimbra
Diz o Padre Antônio Vieira, religioso da Companhia de Jesus,
que em maio do ano de mil seiscentos sessenta e três, estando muito enfermo,
lhe mandaram notificar os senhores inquisidores que não saísse desta cidade de
Coimbra sem aparecer em sua presença; e continuando a dita enfermidade sem
aproveitarem nenhum remédio, resolveram os médicos que só na mudança para os
marítimos ares, por serem mais próprios do seu natural, poderia cobrar saúde,
pelo que lhe ordenaram seus superiores que fosse para o canal junto ao porto de
Buarcos, aonde a sua religião tem casa. Partindo do colégio se foi apresentar
de caminho ao santo ofício, e sem embargo de se ver o estado em que estava, e ele
suplicante alegar o perigo de sua vida, lhe mandou o senhor inquisidor
Alexandre da Silva que não continuasse a dita jornada, nem saísse do distrito
desta cidade e colégio, como com efeito o fez, recolhendo-se à quinta de Vila
Franca, que foi o dia 21 de julho, onde se lhe agravou a enfermidade, e durou a
cura dela até os primeiros de outubro.
Neste tempo, ainda mal convalescido, tornou para ao colégio,
e com grande moléstia corporal, e perigo de seu crédito, continuou em ir ao
santo ofício, como lhe era mandado, e em várias sessões se lhe pediu conta e
fez cargo principalmente de uma carta que escrevera ao bispo eleito do Japão, o
padre André Fernandes, em que ele suplicante interpretava certas profecias ou
vaticínios de que inferia a ressurreição d'el-rei defunto D. João o quarto, e
assim mais de outras proposições, também acerca de coisas futuras, e várias
interpretações de lugares da Sagrada Escritura que em diferentes ocasiões se
lhe imputavam haver dito, e finalmente de quantos papéis ou livros tinha
escrito, ou tivera pensamento de escrever, e das matérias e assuntos que neles
havia de provar: de todas as quais coisas se lhe pediram os fundamentos, e se
lhe fizeram muitas perguntas sobre elas, e se lhe argüíram em contrário
diversas conseqüências e implicações, a que ele suplicante satisfez breve e
sucintamente quanto o sofria aquele ato, reservando a mais larga declaração e
prova de tudo (quando se lhe pedisse e fosse necessária) para papel e tratado
mais largo, em que difusamente mostrasse os fundamentos das suas opiniões com
os textos e autores delas, e refutasse as objeções que em contrário se argüíram
e podiam argüir.
E porque no fim do exame das ditas proposições lhe foram
declaradas algumas qualificações ou censuras que a ele suplicante lhe pareceram
mui alheias do merecimento e probabilidade do que havia dito ou escrito, e as
censuras se podiam fundar no menos conhecimento de seus fundamentos, e em serem
as ditas proposições interpretadas em mui diferentes sentidos do que ele as
tinha proferido em sua própria e natural significação; respondeu ele
suplicante, que ele reverenciava as ditas censuras pelo respeito e obediência
que dava a este sagrado tribunal, e que estava mui disposto a seguir e ter por
melhor tudo o que por ele fosse julgado; mas que visto haverem sido censuradas
as ditas proposições, em ele ser ouvido, e serem interpretadas muitas delas em
sentido muito alheio do que foram proferidas, como das mesmas censuras lhe
constava claramente, e pedia licença com toda a submissão aos senhores
inquisidores para alegar as razões e escrituras, autoridades dos santos padres,
e princípios da teologia em que ele suplicante se fundava quando teve por
verdadeiro e provável tudo o que dissera e escrevera, para que sendo presentes
aos senhores inquisidores apostólicos os ditos seus fundamentos, pudessem ser
de novo julgadas e qualificadas as suas proposições, e condenadas ou aprovadas
conforme o merecimento delas, a cujo juízo ele logo se sujeitara, como
obediente filho da Igreja e seus ministros.
E posto que o intento dele suplicante nunca foi pôr em
pleito a probabilidade ou verdade de suas opiniões, mais que dar uma simples e
pacífica notícia do fundamento delas, lhe foi dito que, conforme os estilos
deste sagrado tribunal, se havia formar libelo contra ele, como com efeito se
formou, em que de novo foi acusado como réu das proposições que se supunha ter
dito e escrito, ou tivera pensamento de escrever, não se lhe dando cada uma das
proposições em particular (como ele espera para poder responder com toda a
formalidade) senão por termos muito universais e vagos, e mais dificultosos de
serem respondidos, senão em mui larga escritura, como logo representou ao dito
senhor inquisidor Alexandre da Silva, e no mesmo dia lhe foi dado por
procurador da causa um advogado, a quem não sabe o nome, o qual lhe disse que
daquelas matérias não entendia coisa alguma, e para pedir tempo suficiente para
responder e alegar a multidão e dificuldade das matérias de que se lhe fazia
cargo, e o estado de sua pouca saúde, foi necessário que o suplicante lhe
ditasse (como ditou) o que havia de dizer, não sendo esta a sua profissão, nem
tendo conhecimento algum dos estilos do Santo Ofício.
Foi esta última sessão em abril do ano de 1664, e estava
atualmente ele suplicante com princípio de nova enfermidade por remédio da qual
lhe mandaram os médicos sair dos ares de Coimbra, e passar aos de Vila Franca,
onde a doença se declarou, e esteve muitos tempos em cama sem se lhe despedir a
febre, senão nos princípios de outubro, que foi o primeiro tempo em que depois
de lido o libelo teve alguma saúde, e esteve mais desimpedido para tratar da
resposta ou defesa dele, posto que neste tempo por razão da opilação com que
ficou da doença e perseveração da outra, lhe mandaram os médicos que duas ou
três vezes na semana saísse a fazer exercício ao campo, que é circunstância
muito necessária de se advertir, por se impedir a ele suplicante com este
remédio as horas da manhã, que são as principais, e menos nocivas do estudo, e
mais em pessoas achacadas.
No fim de dezembro do dito ano o mandou chamar o dito senhor
inquisidor, e lhe pediu a resposta ou apologia de suas proposições, e ele
suplicante lhe apresentou vinte e cinco ou trinta cadernos de vários
apontamentos e questões que tinha começado, representando os impedimentos
naturais acima referidos, com que estivera impossibilitado, e a multidão e
qualidade das matérias, que cada vez irão mostrando mais quão impossível coisa
era serem respondidas com a brevidade que se lhe mandava, sem embargo que o
dito senhor inquisidor mandou fazer um termo para responder até à Páscoa da
ressurreição deste presente ano, que vinham a ser três meses, pouco mais ou
menos, e lhe foi mandado que assinasse o dito termo; em que se lhe mandava
coisa impossível, o dito senhor inquisidor lhe respondeu que visse lá em que se
metia, acrescentando outras palavras de ameaça, de cujo rigor ele ficou muito
admirado, e assinou com força. Apertado desta maneira, começou ele suplicante a
fazer excessos por satisfazer o que lhe era mandado, estudando e escrevendo de
dia e de noite com tal aplicação, que no fim do primeiro mês começou a lançar
sangue pela boca, e posto que ao princípio o encobriu pelo não obrigarem os
médicos e prelados a desistir do estudo, ao fim vendo que punha em manifesto
perigo ainda houve de tratar de remédios, os quais não bastaram, antes se lhe
ateou uma febre contínua e habitual, de que esteve muitos meses em cama
desconfiado da vida, de que ainda não está convalescido, nem seguro de uma
grande recaída, por razão dos ares deste clima de Coimbra, como consta das
certidões dos médicos que oferece, e o curaram nesta e nas outras suas
enfermidades.
Estando ele suplicante neste estado na quinta de Vila
Franca, a dez do presente mês de setembro lhe foi dada uma carta em que os
senhores inquisidores lhe mandavam levasse logo a resposta que tinha prometido
ou a remetesse, se por razão dos seus achaques a não pudesse levar
pessoalmente; e respondendo ele suplicante com o notório impedimento que havia
tido para poder acabar nem prosseguir a dita resposta, e que a demasiada e
excessiva aplicação que pusera em obedecer fora a causa do dito impedimento. No
dia seguinte lhe mandaram os ditos senhores inquisidores por outra carta, que
em qualquer forma que estivesse a dita resposta lha enviasse logo para a sua
causa se sentenciar afinal, na forma do termo assinado, declarando a ele
suplicante, que não poderia dizer com razão alguma que o despacharam sem dar
prova à sua defesa, pois se lhe tinha esperado por ela um ano e meio.
Ao que ele respondeu, que o tempo dos últimos três meses
ainda não era passado, porquanto em dois meses do dito tempo estivera
legitimamente impedido, como era notório, e que o chamado ano e meio não tinha
sido mais que quatro meses legais e efetivos, pelo mesmo impedimento da doença
antecedente, como tem referido, e que ainda no caso em que fosse ano e meio não
era tempo suficiente, suposta a quantidade e qualidade das matérias a que era
mandado responder, acrescentando ele suplicante que de nenhum modo consentia em
se lhe haver de negar o direito natural da própria defesa cujo tempo se devia
proporcionar com as matérias dela, e que assim o requeria aos ditos senhores
inquisidores; contudo, que por obedecer levaria os papéis e apontamentos que
tinha feito, no estado em que estivessem, como lhe era mandado. Em cumprimento
do qual foi ele suplicante ao santo ofício em 14 do dito mês, e apresentou aos
senhores inquisidores dez ou doze mãos de papel de apontamentos e questões
começadas todas, e nenhumas delas concluídas no estado em que as tinha;
declarando que ele não apresentava os ditos papéis para prova da sua defesa
porquanto não estavam capazes disso, nem ainda no estado em que estavam se lhe
dera tempo para os ver e remendar nem sabia o que neles se dizia, e algumas das
mesmas coisas se haviam de mudar, como acontece a todos os que compõem e
escrevem qualquer matéria, e muito mais de controvérsias, e que somente
apresentava aqueles papéis aos ditos senhores inquisidores para que os vissem e
lhes constasse como ele suplicante tinha obedecido e trabalhado neles sem
cessar, e que assim o pedia e requeria; o que os ditos senhores não quiseram
fazer, nem ainda ouvi-lo devagar, dizendo que tinham muitas ocupações, e que o
que ele suplicante dizia se não escrevia, nem importava nada para a sua causa,
a que ele replicou requerendo que se lhe tomasse por escrito tudo o que ele
dizia e tinha para dizer, protestando de novo que se lhe desse tempo necessário
e suficiente para responder; que o mesmo tempo que se lhe tinha dado e assinado
se lhe tornava a negar, contra todo o direito natural, do qual direito ele de
nenhum modo cedia, nem consentia na violência notória que se lhe fazia por este
modo, e que assim o tornava a requerer. Respondendo-se-lhe a tudo que deixasse
os papéis, e se fosse, como com efeito foi, obrigado e contra sua vontade.
Tornando a declarar e a requerer que os ditos seus papéis se lhe haviam
restituir, pois eram os instrumentos e armas de sua defesa com as quais ele se
não podia defender enquanto não estavam formados e postos em estado que por
eles constasse a sua razão e justiça.
Este é o fato de todo o processo da sua causa até o dia
presente, de que dá por prova os mesmos autos, e do que deles não constar aos
mesmos senhores inquisidores e notário, que estava presente, e se de alguma
outra coisa das acima referidas nesta narração, for necessária mais prova que a
notoriedade delas, se oferece a provar todas pelos meios de direito.
Pelo que tudo, é forçado ele suplicante a recorrer ao
conselho geral do santo ofício, e pedir e requerer, como pede e requer a vossa
senhoria, se lhe não tire nem negue (como nos termos presentes parece se lhe
quer tirar e negar) o direito natural de sua defesa. Porquanto:
Provará que ele suplicante não pode ser sentenciado sem se
lhe dar defesa, e o tempo suficiente e necessário para ela.
Provará que o tempo necessário e suficiente para a dita
defesa se há de medir e proporcionar e regular pela quantidade das matérias de
que se trata, e pela disposição ou capacidade do sujeito ou pessoa que há de
dar ou fazer a dita defesa.
Provará que a ele suplicante se lhe não tem dado até agora o
tempo suficiente e necessário para a sua defesa, segundo a dita quantidade e
qualidade das matérias a que deve responder.
Provará que as ditas matérias, quanto à quantidade, são
muitas e diversas; porque não só se lhe fez cargo das proposições contidas na
carta que escreveu ao bispo do Japão, senão também de outras mais que se lhe
imputa haver proferido em diferentes conversações, e sobretudo de alguns livros
que teve pensamento de escrever, e das matérias e assuntos deles.
Provará que sobre todas as coisas sobreditas lhe foram
feitas várias perguntas, e se lhe argüíram erros e conseqüências absurdas, a
que ele também deve responder e satisfazer, com o que acresceram e se
aumentaram muito as ditas matérias.
Provará que depois dos ditos seus livros, ou pensamentos de
livros, assuntos e proposições de que haviam de constar, serem assim arguidos e
censurados, fica mais dilatada a matéria e prova deles, do que se com efeito os
compusera, por ser em juízo contraditório, de que podem ser exemplo todos os
autores que fizeram apologias em defensa de suas obras, ou de uma só proposição
que lhe quiseram condenar.
Provará que as ditas matérias, de que há de dar razão, pela
qualidade delas, são ainda mais dificultosas e dilatadas, e requerem muito mais
tempo para a sua defesa. Porque:
Provará que as ditas matérias são de coisas e sucessos
futuros, os quais só se podem provar pelas profecias dos profetas canônicos do
Velho e Novo Testamento, e de outras pessoas insignes em espírito de profecia,
assim antes como depois da lei da graça, as quais profecias todas de sua
matéria são escuras e envoltas em metáforas e enigmas de mui dificultosa inteligência,
nas quais trabalharam os engenhos dos mais doutos homens do mundo em muitos
séculos, ficando muitas delas sem serem entendidas.
Provará como no entendimento que ele suplicante dá a muitos
lugares dos santos profetas, não só é necessário procurar a sua explicação,
senão também refutar algumas opiniões e explicações antigas, por serem de
autores gravíssimos, e mostrar como os ditos autores não alcançaram o
verdadeiro sentido delas, e a razão por que o não alcançaram, nem puderam
alcançar em seus tempos, que é matéria que inclui as maiores dificuldades da
cronologia, e mais exata lição e erudição da história sagrada, eclesiástica e
profana, e igual conhecimento das opiniões, que eram ordinárias em diferentes
idades da Igreja, e dos santos padres, as quais com o tempo se declararam mais,
e constou depois não poderem ser verdadeiras, dispondo assim a providência
divina, para maior glória sua, e da sua Igreja.
Provará que muitas das ditas matérias, ou quase todas, são
novas, e não vulgares, nem tratadas ex professo pelos doutores, com que vem a
ser precisamente necessário a ele suplicante, havê-las de tratar desde seus
princípios, e abrir novos fundamentos, e estabelecer a verdade ou probabilidade
deles todos, conforme as sagradas escrituras, e santos padres, e desfazer
qualquer repugnância que nas mesmas escrituras possa haver contra os ditos
fundamentos, que é obra de imensa compreensão e estudo, e que envolve tudo o
que sobre as ditas escrituras está escrito, assim pelos doutores antigos, como
pelos modernos, assunto que ele suplicante de nenhum modo pudera compreender,
senão com quarenta anos que tem de estudo da sagrada escritura, buscando nela
não as flores, senão as raízes, e trabalhando por alcançar o verdadeiro,
genuíno e literal sentido com que foram escritas e ditadas pelo Espírito Santo,
o qual em todas as idades da Igreja foi descobrindo novos tesouros de
inteligência, com que mais alumiar e ilustrar, e foi o principal fim porque
ordenou que as ditas escrituras, principalmente as profecias, fossem tão
escuras.
Provará que as ditas matérias são muito notáveis e
esquisitas, porque pretendem ou pretendia ele suplicante mostrar que na Igreja
de Deus há de haver um novo estado, felicíssimo, e diferente do presente e dos
passados, em que no mundo todo não há de haver outra crença, nem outra lei,
senão a de Cristo, para complemento do qual estado se hão de converter todos os
gentios, e se hão de reduzir todos os hereges, e se há de extinguir totalmente
a seita de Mafoma, e hão de aparecer os dez tribos de Israel que estão ocultos
em terras incógnitas, e se hão de converter todos os judeus, e há de haver
neles maiores santos que os da lei velha, e mais semelhantes aos da primitiva
Igreja, que serão grandes zeladores e pregadores da lei de Cristo, e que neste
tempo em que todo o mundo estiver reduzido ao conhecimento da nossa santa fé
católica, se há de consumar o reino e império do mesmo Cristo, e que é este o
quinto império profetizado por Daniel, e que então há de haver no mundo a paz
universal prometida pelos profetas no tempo do Messias, a qual ainda não está
cumprida senão incoadamente, e que no tempo deste império de Cristo há de haver
no mundo um só imperador, a que obedeçam todos os reis, e todas as nações do
mundo, o qual há de ser vigário de Cristo no temporal, assim como sumo
pontífice no espiritual, o qual império espiritual então há de ser perfeito e
consumado, e que todo esse novo estado da Igreja há de durar por muitos anos, e
que a cabeça deste império temporal há de ser Lisboa, e os reis de Portugal os
imperadores supremos, e que neste tempo há de florescer universalmente a
justiça, inocência e santidade em todos os estados, e se hão de salvar quase
pela maior parte todos os homens, e se há de encher então o número dos
predestinados, o qual é muito maior do que comumente se cuida, conjecturando-se
também o tempo em que estas coisas hão de suceder, e mostrando-se os meios e
instrumentos por que se hão de conseguir. As quais coisas todas, como tão raras
e maravilhosas, e tão diversas do curso ordinário, com que a providência divina
até agora tem governado o mundo, bem claramente se vê quanto estudo requerem, e
quão dificultosas sejam de mostrar e persuadir, principalmente havendo de ser
provadas e deduzidas de textos muito expressos da sagrada escritura, e
autoridades de santos, e gravíssimos autores antigos e modernos, e revelações
particulares de santos canonizados, e outras pessoas insignes em espírito de
profecia. Pelo que tudo se vê clara e evidentemente, que o tempo que se tem
sinalado a ele suplicante para a prova da sua defesa é muito desigual e
desproporcionado, e de nenhum modo suficiente para satisfazer aos cargos que
lhe têm dado, os quais não só envolvem todas estas matérias, senão ainda outras
de igual peso e dificuldade, que para prova destas se hão de supor e provar, o
que tudo ele suplicante deve estudar e trabalhar só por si mesmo, não por meio
de procuradores e advogados, como sucede em outras causas de que eles são
capazes, e podem suprir o estudo e diligência das partes, como é costume. A que
se deve juntar a consideração dos impedimentos do sujeito, e estado dele
suplicante, porque além de ser tão enfermo, e de poucas forças para tão
excessivo trabalho, é religioso da Companhia de Jesus, religião em que não há
privilegiado, e deve acudir a todas as obrigações de seu instituto, e da
comunidade, que levam grande parte do dia.
Assim que, por todas as razões sobreditas, consta que ele
suplicante até o presente está indefeso, e se lhe não tem dado tempo hábil,
necessário e suficiente para mostrar e provar os fundamentos da sua justiça,
nem pode conforme a direito algum ser lançado de mais prova, que só poderia ter
lugar no caso em que, conforme o mesmo direito, se presumisse que ele
maliciosamente, e com dolo queria dilatar sua causa, por não chegar a sentença,
e recear os efeitos dela, a qual presunção de nenhum modo tem lugar no caso e
pessoa dele suplicante, antes se deve presumir e se conhece demonstrativamente
o contrário. Porquanto:
Provará que ele suplicante tem presentado aos senhores
inquisidores dez ou doze mãos de papel de questões e discursos sobre as ditas
matérias, posto que não acabadas nem concluídas, e de infinitos outros
pensamentos pertencentes a eles, que mostram evidentemente o excesso do estudo
com que se tem aplicado a apressar a dita sua defesa.
Provará que além dos ditos apontamentos, tem registrado
muitos outros, e grande quantidade de livros, para copiar deles as autoridades,
e poupar o tempo que se havia de gastar se duas se escrevessem.
Provará que para abreviar as ditas matérias, reconhecendo a
imensidade delas, buscou traça, modo e disposição com que as metesse todas em
um só discurso, que intitula História do Futuro, que vem a ser como um
compêndio de todas as oposições que se devem provar sem a confusão nem as
repetições que haviam de ser necessárias, se não fossem assim claras e
digestas. E também tomou o disfarce do dito título, para debaixo dele se poder
ajudar de alguma pessoa que escrevesse, sem entender o intento da escritura,
nem violar o segredo que lhe foi imposto, que tudo são meios de abreviar.
Provará que para achar os livros que lhe eram necessários
(por haver perdido parte de sua livraria em um naufrágio, e lhe ficar o resto
dela no Maranhão com grande parte de seus papéis e estudos) se resolveu ele
suplicante a ordenar por sua mão a livraria do colégio de Coimbra, que estava
muito confusa, tomando notícia de todos os livros que serviam a seu intento,
como com efeito fez, com excessiva diligência e trabalho.
Provará que além desta livraria, correu e buscou outras de
que também tirou livros, e os mandou vir das livrarias do colégio de Évora, e
colégio de Santo Antão, e da livraria d'el-rei, e outras particulares, e tem
mandado vir de Roma e França outros livros que lá tinha visto, e neste reino se
não acham, por meio das pessoas que nomeará, sendo necessário.
Provará como depois que lhe assinaram os três meses de
tempo, estudava e escrevia todos os dias até à meia-noite, e se levantava às
quatro horas da madrugada, sendo este excesso de aplicação o que o reduziu a
lançar sangue pela boca, e pôr a vida em tanto risco.
Provará que ainda no tempo que estava em cama, tinha livros
escondidos, pelos quais lia e estudava os espaços que tinha de algum alívio.
Provará que desde o tempo que pediu licença para responder,
e lhe foi concedida e mandada, nunca se ocupou em outra alguma coisa, nem foi
possível acabar-se com ele que pregasse, nem ainda fizesse uma prática dentro
no colégio, por mais instâncias que por isso fizeram pessoas de grande respeito
e seus próprios superiores, o que tudo são evidências de fato de que ele
suplicante procurou sempre apressar a resolução da sua causa, e fez extremos
por isso, contra o qual fato e evidência não tem lugar nenhum gênero de
presunção; e quanto ao que por outra qualquer via se deve ou pode presumir dele
suplicante, neste caso todas as presunções fazem em seu favor, e estão
clamando, que nenhuma coisa mais se deve procurar e desejar, que a breve
resolução desta causa. Porque:
Provará que enquanto a dita resolução se dilata, está ele
detido em Coimbra com contínuo risco de sua vida, como tem mostrado a
experiência, e o julgam todos os médicos, por lhe ser muito estranho e nocivo o
dito clima.
Provará que com a dita dilação periga também muito o seu
crédito, sendo chamado muitas vezes ao Santo Ofício por oficiais dele, a qual
publicidade, que se não pode evitar com nenhum segredo e cautela,
necessariamente há de causar suspeitas, as quais bastam para muito o
desacreditar.
Provará que outrossim com a dita dilação não só tem impedida
a liberdade de se tornar para sua província, mas também se seguem os gastos que
tem feito em todo este tempo, e há de fazer necessariamente, por estar em
província e colégio estranho.
Provará que assim mesmo tem impedida a impressão de muitos
tomos de sermões que estava alimpando, e são pedidos de todas as partes da
Europa, e juntamente os interesses das ditas impressões, que são muito
consideráveis, pelo grande gasto que têm os ditos seus sermões, os quais interesses
ele suplicante tinha aplicado às missões do Maranhão, e por falta deles estão
os missionários padecendo grandes misérias, e faltas do necessário, com que
também se impedem grandes serviços a Deus, e fruto das almas.
Provará que pelo dito impedimento, e ele não sair com os
seus, se têm impressos dois livros de sermões em Castela, por várias cópias mal
escritas, e tomadas de memória, que andavam em seu nome, com infinitos erros, e
muitas coisas diminuídas, e outras acrescentadas, e todas indigestas, confusas,
e fora de seu lugar, e por palavras não suas, com que tem padecido muito sua
opinião, e posto que deseja e é instado a que acuda a esse descrédito,
imprimindo os seus verdadeiros sermões, está impossibilitado de o fazer. Pelos
quais inconvenientes de dano de vida, saúde e liberdade, crédito, e ainda da
fazenda, bem se deixa ver quanto mais presumir, que não pede ele suplicante a
dilação deste impedimento, antes procura o desembaraçarse dele o mais depressa
que for possível. Nem obsta contra a verdade desta resolução, o conhecimento
que tem das censuras ou qualificações que lhe foram declaradas, ou o receio da
resolução e sentença delas, porque está ele suplicante, e esteve sempre mui
confiado na justiça e inteireza deste sagrado tribunal, e nos fundamentos e
razões da sua causa, como podem testemunhar os ministros, diante dos quais tem
dado razão dela. Porquanto:
Provará que para defesa de tudo quanto até agora se lhe tem
perguntado, argüido ou censurado, tem ele suplicante muitos textos da sagrada
escritura, autoridades dos santos padres, e fundamentos teológicos, e
exposições de doutores gravíssimos, não só antigos, mas modernos, que
imprimiram de cem anos a esta parte nos quais há de mostrar tudo o que nas suas
proposições se estranha. Assim mais
Provará que a causa de serem estranhadas as suas ditas
proposições é somente por não serem vulgares nem tratadas ex professo pelos
doutores, e por se não ter notícia dos textos, autoridades, e razões em que ele
as funda todas, com grande concórdia e harmonia das escrituras sagradas, as
quais na suposição contrária se podem mui facilmente entender, e por isso se
acham nos comentadores dos profetas tantas incoerências e ainda implicações,
que ele tem advertido e mostrado em seus lugares, e não só tem ele suplicante
por si a segurança de seu juízo, que nas coisas próprias se pode enganar, senão
também o testemunho de outros mui qualificados e livres de todo o afeto. Porque
Provará que comunicando em diversos tempos o assunto e
conclusões das sobreditas matérias a várias pessoas das mais doutas da sua
religião, portugueses, espanhóis, italianos e franceses, todas aprovaram o dito
assunto, e os fundamentos dele, posto que reconheceram que ao princípio havia
de ter alguma contradição como a tiveram sempre todas as coisas novas e
grandes, ainda aquelas que depois foram definidas de fé, permitindo-o e
coordenando-o assim a providência divina, para maior prova e confirmação da
verdade ou probabilidade delas. E houve entre as pessoas doutas quem se
ofereceu a escrever e compor o dito livro ou livros, vistas as indisposições e
ocupações dele suplicante, se ele o quisesse consentir, e dar e apontar os
textos e fundamentos de que tinha feito estudo, e algum houve que considerando
a grandeza e importância de muitas das ditas matérias, e a utilidade que do
conhecimento delas se pode seguir à universal Igreja, e conversão de muitas
almas dos ateus, gentios, judeus e de todo o gênero de hereges, julgou e disse
que eram merecedoras as ditas matérias de que na Igreja se fizesse um concílio
para maior qualificação delas. Assim, está tão fora ele suplicante de entender
que depois de vistos os fundamentos das suas proposições sejam condenadas ou
reprovadas, que antes confia e espera da justiça e zelo deste sagrado tribunal,
como tão principal coluna da fé, piedade, reformação dos costumes, conversão e
remédio da infidelidade que o exortem e mandem os senhores inquisidores a ele
suplicante continue e se aplique à dita obra, e lhe dêem todo o favor e ajuda
para isso, assim pelo dito serviço e glória de Deus e da universal Igreja, como
pela honra e estimação deste reino, que é bem conheça os fins por que Deus o
tem escolhido para dilatador de sua fé, e também para confusão e desengano de
seus inimigos.
E para que ultimamente conste a vossa senhoria quanto ele
suplicante deseja dar brevemente razão de si, de seus fundamentos, e das
opiniões e proposições em que se repara, e que disposto está a abreviar a
resolução da sua causa, e saber pelo juízo deste sagrado tribunal se deve continuar
ou desistir do pensamento da dita obra, ou emendar algumas coisas dela, vista a
dificuldade ou moral impossibilidade de responder em breve tempo por papel, por
todas as causas acima alegadas, assim da parte do sujeito, como da qualidade e
quantidades das matérias: representa ele suplicante e pede a Vossa Senhoria,
como por vezes tem representado ao senhor inquisidor Alexandre da Silva, se lhe
conceda licença para responder verbalmente diante de vossa senhoria, ou dos
senhores inquisidores desta cidade, e das pessoas mais qualificadas e doutras
que vossa senhoria para isso nomear, para o que ele se oferece logo depois da
sua convalescença, e ainda antes de estar bem convalescido, porque falando e
respondendo às dificuldades se pode examinar em pouco tempo o que por papel se
não pode deduzir, se não em muito larga escritura, e com grande disputa de
argumentos, sem os quais se não podem fundar e defender as conclusões que em
cada uma das matérias são muitas, e cada uma delas depende de outras
suposições, também não tratadas ex professo nos livros, pelo que é necessário
que ele as trate e dispute desde seus primeiros princípios e fundamentos, sob
pena de não ser entendida a certeza ou probabilidade delas, com que ele
suplicante fica fazendo da sua parte quanto é possível, e oferecendo-se a muito
mais do que em direito é obrigado para abreviar a decisão da sua causa, cuja
dilação de nenhum modo se lhe pode atribuir, nem imputar, pois não está por
ele, porquanto se oferece, ou a responder logo verbalmente, ou a responder por
escrito com o tempo necessário. Pelo que tudo
Pede, representa e requer ele suplicante a Vossa Senhoria
primeiramente se lhe dê o tempo e descanso necessário para acabar de
convalescer, e também licença para o fazer na vizinhança desta cidade, em lugar
aonde cheguem os ares marítimos, vista a necessidade que deles tem, conforme o
parecer de todos os médicos, e a experiência das contínuas enfermidades que
neste clima padece, e o receio de tornar a recair com tão evidente perigo de
vida, a qual vida lhe não deve a justiça querer tirar, antes é obrigação e
conveniência da mesma justiça conservá-la aos réus, para que, vivendo,, conste
da sua culpa ou da sua inocência.
Em segundo lugar pede e requer se lhe inteirem os três meses
de tempo que se lhe tinha assinado para sua defesa, pois estando legitimamente
impedido em dois dos ditos três meses em todo o direito se lhe devem restituir,
ou, falando mais propriamente se lhe devem deixar continuar, pois os ditos dois
meses legal e efetivamente ainda não concorreram, nem passaram.
Item pede e requer que além dos ditos dois meses se lhe dê
todo o mais tempo necessário, vista a quantidade e qualidade das matérias e
suas dependências, que tem alegado, o qual tempo ele não pode medir, nem taxar,
por ser coisa incerta, e ser muitas vezes em semelhantes obras necessário mais
tempo do que se cuida, por ocorrerem novas dificuldades e dependências que a
princípio se não consideravam, principalmente em sujeito tão achacoso e de tão
pouca e tão inconstante saúde como a sua.
Outrossim pede e requer se lhe dê vista distintamente e por
papel das proposições ou pontos em que houver a maior dúvida, e os fundamentos
e razões pelas quais cada uma das ditas proposições é ou parece deve ser
condenada ou censurada, e os autores (se alguns há) que as impugnam ou
censuram, porque desta maneira ficará a resposta das ditas proposições muito
mais resumida, abreviada e fácil, e não lhe será necessário a ele suplicante
excogitar todas as dúvidas que podem ocorrer nas ditas matérias para satisfazer
a elas, bastando somente satisfazer e responder às que lhe forem apontadas, a
qual vista se lhe deve de direito dar a ele suplicante sob pena de ficar
indefeso, porque nem ele pode adivinhar os fundamentos por que suas proposições
foram censuradas, nem os juízes julgar se têm suficiente resposta ou solução
enquanto se não dá vista delas a quem tem obrigação de lhe responder. Na dita
vista, calando o nome do qualificador, não há inconveniente algum, antes grande
justificação e crédito da justiça, pois de outro modo se não pode conhecer
inteiramente a verdade, que é só o que se deve pretender, e até no tribunal
divino, cuja ciência, verdade e juízo são infalíveis, se consente e admite este
requerimento, o qual fez Jó ao mesmo Deus, quando disse Indica mihi cur me ita
judices (Jó X - 2), nem se pode dizer que este requerimento é intempestivo,
pois o fez ele suplicante ao senhor inquisidor Alexandre da Silva desde o dia
em que lhe foi dado o libelo, e lhe foi respondido que não era estilo, a que
ele replicou que não será estilo em outros casos, mas neste seu o deve ser,
porque é mui diverso, e se lhe deve de direito natural, pois ninguém se pode
defender de armas invisíveis, que muitas vezes se formam: Ut sagittent in
ocultis immaculatum (S. LXIII - 5). Encubra-se embora a mão, mas não se encubra
a seta.
Finalmente, em qualquer dos sobreditos casos pede e requer
lhe sejam outra vez entregues os papéis de seus apontamentos e respostas que
tinha principiado, os quais levou ao santo ofício obrigado de seus mandados
somente para que constasse aos senhores inquisidores da diligência e aplicação
com que ele suplicante lhe tinha obedecido, e do muito que tinha trabalhado, e
não para fim e via de se defender com os ditos papéis, imperfeitos, mutilados,
confusos, e informes, e sem disposição, nem conclusão alguma, e que somente são
as matérias e os materiais que aí ia ajuntando, e começando a dispor para a sua
defesa, assim como as pedras que se vão lavrando e ajuntando, ainda que delas
se hão de fazer os muros, enquanto não estão lavradas, e unidas, e postas em seu
lugar, não podem servir de defensa. E se acaso entre os ditos papéis houver
alguma coisa que seja menos conforme à verdade de sua doutrina, ou da que se
deve seguir, protesta que tal ou tais coisas se não devem reputar por suas,
porque nem ele reviu os ditos papéis, nem se lhe deu um momento para isso; e
nem tudo o que os autores ajuntam em seus apontamentos é para o seguirem ou
afirmarem senão a também para o refutarem e impugnarem, e depois de acabada a
questão, e ainda toda a obra, então se faz a última eleição do que
resolutivamente se há de seguir. E porque pode acontecer que para este
incidente (como deve ser sem dúvida para a causa principal) sejam consultados
alguns teólogos, e outras pessoas doutas, pede e requer a Vossa Senhoria ele
suplicante, que assim nesta como em qualquer outra matéria tocante a ele, não
sejam consultadas, nem admitidas pessoas que por alguma via lhe possam ser
suspeitas, sendo certo que fora e dentro de sua religião tem muitos êmulos, os
quais não pode nomear em particular porque não sabe quais hajam de ser, e
somente pode dar, como dá por suspeitos em geral aos religiosos do Carmo pelas
controvérsias que teve com eles no Maranhão, sendo os ditos religiosos os
principais movedores da sua expulsão, e dos outros religiosos da Companhia que
lá estavam por haverem tomado umas cartas dele suplicante em que informava
contra eles a sua majestade em matérias graves e de muita importância, conforme
as ordens que tinha do dito senhor, e provará as ditas suspeições largamente
sendo necessário.
Item dá por suspeitos em suas causas aos religiosos de São
Domingos, assim pela emulação e oposição geral que têm com os da Companhia
sobre opiniões em matérias de letras, como particularmente desde anos a esta
parte com a pessoa dele suplicante por haverem entendido que ele em um sermão
da capela desestimara ou reprovara seu modo de pregar apostilado, pela qual
razão os ditos religiosos se deram por mui ofendidos dele, e o mostraram
publicamente nos púlpitos, e em papéis particulares que contra ele escreveram,
sendo os mais empenhados neste sentimento as pessoas mais graves da dita
religião, como é notório e provará sendo necessário.
E porquanto à sua notícia tem chegado que em casos de
opiniões novas, consulta este santo tribunal algumas vezes os ministros da
cúria romana:
Pede e requer outrossim a vossa senhoria ele suplicante, que
os ditos ministros não tenham parte na decisão e qualificação da dita sua
causa, e pontos dela, e muito menos nos que pertencem ao papel referido,
escrito ao bispo do Japão, porquanto ele (enquanto lhe é lícito) dá por
suspeitos aos ditos ministros nas ditas matérias, e sendo necessário provará as
suspeições, posto que sejam públicas e notórias as causas delas, que são entre
outras, as seguintes:
1.ª Porque no dito papel se fala em castigos de Itália, e
invasão da mesma cidade de Roma, as quais coisas posto que estejam anunciadas
nas escrituras explicadas pelos santos padres, e por pessoas insignes em
espírito de profecia, e seja justo e conveniente que as ameaças de Deus se
saibam, e não se encubram, para que se evitem com a emenda, que é o fim por que
o mesmo Deus antecedentemente as revela, contudo, naturalmente são odiosas para
a nação e pessoas sobre que caem, principalmente se são escritas por homem
estranho.
2.ª Porque no dito papel se prova ou pretende provar não só
o estabelecimento do reino e coroa de Portugal, senão os aumentos e felicidades
dele, e haver de ser império universal, que do mesmo modo é matéria odiosa a
todas as nações estrangeiras, e particularmente aos ditos ministros, dos quais
se tem conhecido em espaço de vinte e cinco anos, quão pouco afetos e
inclinados são ao estabelecimento e conservação dos príncipes e coroa de
Portugal, quanto mais a tão extraordinária grandeza, como a que no dito papel
se lhe prometa.
3.ª Porque no dito papel se infere a ruína de Castela, e
haver de ser vencida e dominada pelas armas portuguesas, que é outra maior
razão para haver de ser odioso aos mesmos ministros, os quais são tão
conhecidamente favorecedores da parcialidade de Castela, e tão obrigados a ela,
e mais castelhanos no afeto que os mesmos castelhanos. E tanto é mais forçosa
esta razão, quanto lhe consta a ele suplicante, e o provará (sendo necessário)
que o dito papel passou a Castela, e que pessoas de grande autoridade e letras,
entre as quais foi o bispo de Tui, julgaram que provava e persuadia o intento,
e que como tal se devia procurar que fosse proibido, assim para que os
portugueses com aquela esperança se não animassem a perseverar no que eles chamam
rebelião, como também para que os castelhanos não cressem nas nossas chamadas
felicidades por ele.
Ultimamente pede e requer ele suplicante a vossa senhoria
que estes seus requerimentos se acostem ao processo de sua causa, e que nela se
cumpra tudo aquilo em que estiverem defeituosos, e tudo o mais que pode cumprir
ao bem e melhoramento de sua justiça, porquanto ele suplicante não tem notícia
nem prática alguma de requerer nos juízos, e muito menos dos estilos deste
sagrado tribunal, nem do modo que nele se deve falar e requerer. E porque o
respeita, reverencia e venera, como ele merece, pede perdão de algum erro, se
por ignorância o houver cometido neste papel, como pessoa totalmente alheia
desta profissão, e que não tem procurador que o encaminhe, pedindo e requerendo
pela mesma razão a vossa senhoria lhe mande nomear por procurador um dos
ministros deputados do santo ofício, que, com as letras e inteireza que
professam, possa defender a justiça de sua causa.
Isto é o que de presente se lhe oferece a ele suplicante
representar a vossa senhoria. Esta é a causa pela qual há tantos tempos se vê
tão molestado, a qual causa e motivos dela pede com toda a submissão aos
senhores inquisidores se sirvam considerar com a atenção que merece, pois todas
as culpas por que se lhe faz cargo, e pelas quais o têm posto em apertos de
perder a vida, como se foram matérias mui perigosas ou de grande escândalo dos
fiéis e dano da Igreja, se atentamente se consideram são todas glória,
estimação e felicidade da mesma Igreja, dilatação da fé, salvação das almas e
exaltação do nome reino de Cristo, e favores do mesmo Cristo a Portugal e aos
portugueses, a quem deu suas chagas com promessa de fundar nele seu
dilatadíssimo império. E se por ocasião destes bens se referem alguns males,
são contra os gentios, judeus, hereges e pagãos, ou, para melhor dizer, contra
a idolatria, heresia, judaísmo e paganismo, cujo fim e ruína se promete, não
tendo lugar nesta conta o castigo da cristandade e perseguição da Igreja, que
também se diz precedera às felicidades dela, pois não serão para sua ruína,
senão para Deus mais a purificar, reformar e aperfeiçoar conforme o estilo de
sua providência. Se estas coisas (como ele suplicante confia mostrar) tem
certeza e probabilidade, não há dúvida que são de grande consolação e
edificação para todos os fiéis, e de grande glória para o nosso reino e nação.
E se carecem da dita probabilidade, e se julgar que não são bem fundadas, o que
somente se segue de ele as haver dito ou imaginado, é poder ser censurado de
não entender bem alguns lugares da sagrada escritura, que é fragilidade humana
que tem acontecido aos maiores doutores da Igreja em muitos textos dela; e
ainda na inteligência daqueles em que ele suplicante se funda, terá muito
autorizados companheiros, como são todos os autores que seguiram e seguem as
mesmas opiniões, os quais não falaram nelas (como ele suplicante em uma carta
missiva, e em algumas conversações particulares de pessoas graves e doutas),
mas publicaram e estamparam as ditas opiniões, e se estão lendo hoje por toda a
cristandade em seus livros sem censura alguma, antes são cada dia mais seguidas
e aplaudidas dos escritores mais doutos e literais.
Suposto ser esta a qualidade de sua causa e matéria dela,
espera ele suplicante da inteireza e benignidade deste sagrado tribunal, lhe
mande vossa senhoria deferir na forma que pede para que sem demasiado aperto em
que perigue sua vida e saúde seja suficientemente ouvido de sua razão, e se
veja o fundamento de tão gloriosas esperanças; e a pureza de sua doutrina não
padeça opinião de menos qualificada do que convém a um religioso da Companhia
de Jesus e mestre na sagrada teologia, pregador d'el-rei de Portugal, e
ministro seu na cúria romana e outras cortes, confessor nomeado do sereníssimo
infante, superior e visitador-geral das missões do Maranhão, com poderes do seu
geral, e tão benemérito da Igreja e fé católica, como consta de dez anos que se
empregou na conversão da gentilidade, e de muitas disputas que teve com todo o
gênero de hereges em França, Holanda, Inglaterra e outras partes, sendo mui
conhecido em toda a Europa por sua pessoa e escritos, os quais se lêem e pedem
de toda a parte com grandes instâncias, e ele suplicante tem muitos que dar ao
prelo, que só (como dito é) se dilatam por este impedimento, e será coisa mui
indigna desta opinião, e sem confiança para mais subir ao púlpito, nem se
aplicar a outras obras do serviço de Deus a que totalmente se tem dedicado há
tantos anos, sendo certo que nos motivos deste seu impedimento, não só teve
parte a diligência de seus êmulos, mas também a astúcia do Demônio, que por
esta via quis estorvar, como tem estorvado grandes serviços de Deus, que é o
que ele suplicante mais sente, e vossa senhoria deve não permitir, senão
remediar e atalhar como espera, no que
R.J.E.M.
---
ResponderExcluirComentário Único - demais descrições, na pág. devida - Clavis Prophetarum
---
Eis aqui, a Luz da parábola da 'guita' do Cerzir do Corpo de Cristo [citada no comentário da pág. Pde. Antônio Vieira - Blog O Cerzidor]. Todos os comentários, observações e notas, sublimados em Isaías [pelos profetas - A Ascensão de Isaías] na imagem da profecia da Corte [na travessia do mar, à terra que Mana Leite e Mel - 'Vinde, Benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.'] ... fazem-se presentes nas palavras das 14 vestes descritas no Guia Núcleo Bios [à Núcleo Casa] na Forma de link's.
---