domingo, 15 de setembro de 2013

Profecia - Livro 3







III
Discurso em que se prova a vinda
do Senhor Rei D. Sebastião


É o assunto deste discurso uma prova, e uma defensa; o provar a vinda de um vivo reputado por morto: Quem homines reputabunt tamquam mortuum; e o defender uma probabilidade estimada por ignorância: Et stulti irridebunt prudentibus.

Provar a vinda do sereníssimo Rei D. Sebastião o qual se conserva vivo, apesar dos que o querem morto: Quem conservat Altissimus; e defender o direito dos sebastianistas, que sendo poucos, e tidos em pouca conta, se isentam da conta dos muitos que diz Salomão: Stultorum infinitus est numerus. Para esta defensa, pois, e para aquela prova, necessário é correr os fundamentos daquela vinda, contrariada de tantos sem fundamento; e discursar as razões daquela probabilidade, contra a qual peleja a sem-razão de muitos; e com oito gêneros de fundamentos provaremos e defenderemos esta questão.

Primeiro com razões e conjecturas.
Segundo com profecias e vaticínios.
Terceiro com revelações.
Quarto com prodígios.
Quinto com prognósticos dos mais insignes astrólogos.
Sexto com a fé dos históricos.
Sétimo com o juízo dos políticos.
Oitavo com as tradições dos mesmos maometanos.

PRIMEIRO FUNDAMENTO
DAS RAZÕES E CONJECTURAS

Vejamos, como prometeu o discurso, primeiramente as razões destas duas espécies, umas que mostram a razão da parte afirmativa, outras que da parte negativa inculquem a sem-razão.

Primeiramente não se dá impossibilidade alguma; porque se se dera, ou se dera da parte de Deus, ou da parte dele: da parte de Deus é impossível, porque a Deus tudo é possível; da parte dele, também não, porque ainda nos tempos modernos passaram alguns homens de trezentos anos, e quando não seja naturaliter, será miraculose, como de fato é: logo não se dá impossibilidade nenhuma.

A esta primeira razão, serve de obstáculo a primeira sem-razão, argüindo, que é escusado guardar-se um homem tanto tempo, podendo fazer qualquer rei o que ele havia de fazer. E não reparam, que Daniel, falando do império otomano, diz que havia de ser entregue a um velho, por antonomosia velho: Usque ad antiquun dierum pervenit: et in conspectu ejus obtulerunt eum. Et dedit ei potestatem et honorem, et regnum etc: Que doidice é logo dizer-se que El-Rei D. Sebastião está guardado e conservado para destruir o império do turco, que é uma das coisas que há obrar? E se não combinem aquele quem conservat Altissimus, com este usque ad antiquum dierum pervenit, e verão a razão. Demais, que os porquês de Deus são incompreensíveis, e das suas razões não pode o entendimento humano dar razão. Demais, que Deus sempre faz as suas obras grandes, com grandes milagres. Bem podia Deus dar no tempo do Anticristo, padres que a este pregassem, e contudo guarda há tantos anos a Enoque e Elias; e outras muitas paridades, que as não permite a brevidade.

Segunda razão: Ou este rei morreu, ou não: se morreu, onde morreu? Ou na batalha, ou fora dela: se morreu na batalha, como não acharam os mouros o despojo que tanto procuravam? Se morreu no rio, como veio depois a sua espada? Como mandou El-Rei D. Henrique, aos que se fingiram reis, inquirir e perguntar se eram verdadeiro rei? Se a ele lhe constara a sua morte, nunca fizera tal inquirição. E a quem podia constar melhor sua morte? Mais: se morreu, como esteve depois em Veneza, e Nápoles preso e desprezado? Isto constou evidentissimamente, e este sucesso refere Lúcio Floro em os seus Anais, e D. João de Castro, que foi testemunha de vista, o escreveu, e todas as evidências disso, e os prodígios que então sucederam o confirmam, os quais no quarto fundamento deste discurso mostrarei. Mais: que o senhor Rei D. João o quarto, que Deus tem, o testificou e contou, e isto mostra uma evidência certa: e outras muitas, que é trabalhoso o referi-las por papel.

Terceira razão: ou a opinião dos sebastianistas é justa e provável, ou não: para dizer que não, dificultoso é de provar; porque é falso, e a razão o mostra; e que é justa, porque não é contra a fé, nem é contra a razão, nem é contra a utilidade comum; logo é justa.

Que seja provável, também se prova; porque se um santo canonizado afirmara alguma coisa, ou por espírito profético, ou por revelação de Deus, não há dúvida que fora provável, o que ele afirmara; atqui, que a opinião dos sebastianistas não só a confirmou um santo, mas muitos santos, não só uma profecia mas muitos vaticínios: segue-se logo, que é muito provável esta opinião. E se uma autoridade de um santo faz uma opinião provável, e se se ajunta outra é mais provável; e ajuntando-se mais outra é probabilíssima; tendo esta opinião mais de três, e mais de trinta vaticínios e autoridades, como não será muitas vezes probabilíssima?

Contra esta razão argumentam os adversários, porque não caem na razão, e dizem uns que estas profecias se não entendem dele; outros respondem que são supostos os vaticínios, e levantados pelos sebastianistas. Tanto uma como outra coisa, se convence por frívola, e só dada por evitar a força do argumento.

A primeira se convence; porque todos os sinais deste rei prometido, todas as circunstâncias deste rei encoberto se cumprem em o senhor Rei D. Sebastião, de tal sorte, e com tal evidência, que posta de uma parte a suma dos vaticínios, e da outra a sua vida, parecem aqueles vaticínios epítome da sua vida, e a vida um compêndio daquelas profecias, como mostrarei neste discurso.

A segunda razão também se convence, porque todos os vaticínios se acharão em os autores que os alegam, e outros em os mesmos santos que os predisseram. Prova-se também o serem verdadeiros, porque se foram falsos não iriam sucedendo no inundo as coisas que eles têm predito: pelo que, ou os vaticínios são verdadeiros, ou falsos; falsos não são, porque dizem verdades que realmente sucedem; logo são realmente verdadeiros. E pergunto agora: por que se hão de ter ignorantes aqueles que provam a sua opinião com muitos fundamentos? E por que se hão de ter por entendidos aqueles que com nenhum fundamento o contradizem?

Quarta razão: além das profecias se corrobora esta opinião com muitas conjecturas, com tradições dos mesmos maometanos, com muitas revelações, prodígios, prognósticos, etc. E se outra qualquer opinião tivera isto, não fora probabilíssima? Pois se esta tem isto, como lhe querem negar o título ainda de provável? Que os ignorantes e rudes o duvidem e neguem, está bem; mas que os entendidos o contradigam, parece mal.

Muitos argüirão, como agúem, que pois muitos sábios e entendidos estão contra esta opinião, devem ser seguidos, pois são sábios. A isto se responde, que uns negam por terem impedida a parte intelectiva, e estes são os ignorantes; outros por terem impedida a parte afetiva, e estes são os entendidos; e como têm impedida a parte afetiva, não vale nada a intelectiva; porque uns se inclinam pelo interesse, outros pela lisonja, outros porque lhes parece mal, sem atentar em fundamento, porque não têm afeto, e assim seguem diversa opinião. Por isso disse o anjo a Esdras quando lhe mostrou a visão da águia, ensinasse a visão aos sábios que a pudessem receber: Docebis ea sapientes de populo tuo, quoum corda scis posse capera secreta haec. De sorte que não só advertiu o anjo, que o havia de dizer aos sábios, mas ainda lhe advertiu mais, que havia de ser aos sábios que pudessem compreender. Quis distinguir uns sábios dos outros sábios; uns tinham a afetiva impedida, outros não; os que a não tinham, é que haviam de compreender os mistérios, e por isso só a eles se deviam declarar; que muitos sábios e entendidos têm a parte intelectiva para saberem e entenderem disposta, mas como têm a afetiva impedida, não lhes vale o saber, nem o entender: têm o entendimento, mas falta-lhes o afeto, e assim nestes não faz o entendimento efeito.

Quinta razão: consta evidentemente de muitas profecias, que há no mundo encoberto: isto poucos dos entendidos o duvidam; que haja de ser português, os mesmos vaticínios o declaram; e que as circunstâncias deste rei possam convir a outro, o qual não seja o senhor Rei D. Sebastião, ninguém o mostrará: donde está logo o erro dos sebastianistas?

Sexta razão: Portugal há de ser império quinto e universal, como se prova com a fé dos históricos, com o juízo dos políticos, com o discurso dos matemáticos, com as profecias dos santos, com as tradições dos mesmos maometanos, para cuja prova se tem feito e escrito doutíssimos tratados; quem haja de ser o rei que haja de fazer o tal império, dizem-nos os vaticínios, prognósticos e tradições; consultem-se, se daí se seguir que o dito imperador não haja de ser o senhor Rei D. Sebastião, cederemos da esperança.

A objeção que põem os contrários é que se não podem esperar tantas felicidades de um rei que foi vencido e destruído, e com ele também o reino. E não reparam que os mesmos vaticínios prometem a um rei que deixou o reino, que foi vencido, e claramente que foi desbaratado em África; e pois se deste se faz a promessa, como não havemos de neste ter a esperança?

SEGUNDO FUNDAMENTO
DAS PROFECIAS E VATICÍNIOS

Prova-se também a vinda do senhor Rei D. Sebastião com as profecias e vaticínios dos santos, e homens de virtude, e de espírito profético. Veremos as profecias e depois os vaticínios, que falam neste encoberto, destruidor da seita maometana, imperador do mundo, e no fim deste discurso, por remate, veremos que todas as circunstâncias e sinais deste prometido só no senhor Rei D. Sebastião se cumprem e acham, e só ele é o verdadeiro encoberto, o verdadeiro prometido, e o verdadeiro imperador, que deve ser esperado.

Profecias da Sibila Eritréia.

Acerca desta matéria, muito largamente escreve esta Sibila, e não podemos referir tudo, por ser contra a brevidade; faremos menção do mais sucinto, mais claro, e mais principal. Diz pois em o canto sexto:

Desta misma sangre alla muy corriente
Saldrá aquel espanto de varias naciones,
Porque en otras partes ha dado pregones,
Que nasce en Occaso, y llega al Oriente,
De muerte resurge en carne floriente,
Con llaves, y flores etc.

Em o sétimo:

Saldrá por el mundo con sus ventureros,
Llevará delante ciere mil pregoneros
Irá derribando todo llevantado.

Em o décimo terceiro:

La letra dez y ocho del abcedario
Será venerada, y la tilde con ella:
La gente, que fuere con luna, y estrella
Tendrá em el Leon muy grande adversario.

Em o décimo nono:

Bien se, que de mil, vinte nõ me creeron,
Y de vinte mil los dez nõ me entendan
Y unos me burlen, y otros me reprehendam.

Em o trigésimo segundo:

Y un tiempo vendrá en el siglo postrero,
Contando muy cierto de aquel que ha venido
Supremo juez; será muy cumplido
Se se cuenta diez vezes um ciento primero,
Y luego seguiendo otros seis por intero
Vendrán otros diez, que a todo han seguido,
Y luego el otro a un non cumplido
Será desta cuenta la guia, y rotero.

Em o trigésimo quarto:

Despierta de un sueño con furia estraña,
Y trahe consigo al toro, y al gallo,
La zorra, el tigre, la ave, el cavallo;
Con furia se vienen, con furia y con maña
En Efrata entra, y en una alta montaña
Depuso Calipso su primer trismallo
Alli con fuerza de piedra, y de mallo
Se funda o travez su primera cabaña.

Em o trigésimo sexto:

Verase un portento sangriento señal,
Que el padre con ancias de muerte renueva:
Verase la tierra, que es vieja ser nueva,
Sin que de haver sido le quede señal
Alli de improviso verá cadaqual
Las señas bastantes, que el vulgo approeba,
Verase del muerto la mas falça prueba,
Que con su engaño causó tanto mal.

Em o trigésimo sétimo:

Al bravo leon el mundo obedece
Las señas, que traz, son bruno, y son blao,
Son sinco, y sinco escriptas en pao,

Em o quadragésimo quinto:

Del cielo la luna se caye en la tierra,
El sol dará luz de noche, y de día
Por todo el mundo sus raios embía
En solo siette annos de paz, y de guirra.

Em o quadragésimo nono:

Venderá en un cavallo mayor, que el troyano,
Com otras mil aves muy acompañado,
Un leon rompiente del ciclo guardado
Dó ciñe la espuma del mar Occeano
Ya tiende su braco con muy larga mano,
Ya passa la meta hasta el otro lado,
Con el fuerte escudo del muy sublimado
Se llega à las puertas del monte Ulisano.

Em o quadragésimo sétimo:

Tendrá la victoria muy enteramente
De grullos, y gryfos, de tigres, y pantheras
El leon primero con sinco simeras,
Saltando las torres, el vado, y la puente:
De las quatro bandas el es presidente,
Tomando del austro las partes primeras,
Y del Oriente las mas estrangeras
Se buelve volando hasta el Occidente.

Em a Profecia vinte e sete:

La gloria se augmenta del leon afamado,
Porque es sin segundo en vida, y en muerte,
El mundo du nombre conosce, y advierte etc.

Em a Profecia vinte e cinco:

Y llega à la selva dõ nascio primero
Con gran magestad, y pompo espantosa etc.

Profecia que está na livraria de Santo Antônio de Cascais,
no livro intitulado Vita Christi Jesu, n. ° 598:

"Prophecia cujusdam fratris ordinis minorum niapolitani anno nativitatis MDXX.

"Vae tibi Lusitania, quae dominaberis omnibus nationibus, quia vienient profecto dies, in quibus lux tua extinguetur eris sub calcaneo alienorum, qui te confrigent tamquam vas figuli, auferent namque à te opes, et divitias tuas, tunc sub tributo eris gemens et dolens, et non erit qui consoletur te ex omnibus charis tuis: honor tuus mutabitur, gens tua delebitur, et infideles accipient civitates tuas. Sed tunc pater misericordiarum respiciet, et videbit oprobrium tuum, et suscitabit de medio tui Salvatorem, qui te liberabit à servitute alienorum; postquem mittet alium tamquam mortuum reputatum, qui te in miseria posuit; ipse restituet te ad pristinum splendorem, et exaltabit imperium tuum, et dilabit fidem Christi; destruet Mahometicam domum: tunc manebit imperium tuum in aeternum, et dicet omnis populus: Laetare Lusitania, quia princeps provinciarum, et domina gentium à Deo facta es."

Profecia de S. Teófilo Bispo.

Depois de vaticinar algumas coisas, falando de um príncipe de Espanha diz: - " Qui cum uno rege dictae provinciae, qui oblitus, mortuus, et non regnaturus putabatur, regna praedicta recuperabit, Soldanum suae dictioni subjugabit, et Christianis domum Dei restituet."

Profecias de Santa Leocádia Virgem e Mártir.

Acharam-se em sua trasladação dentro da sepultura, no ano de 1587, estando presente El-Rei Filipe II.

Depois de várias coisas diz:

Por el alto saber del Sempiterno
Unira la voluntad en amor paterno
Y el Ibero con el Luso en compañia
Hara navegacional solio de Maria,
Y al santo mauseolo
Donde el lusitano solo,
Coronado de Africa, y Palestina
Exaltarà su nombre por la fé divina.
Ay, que con deseo el ay suspira
Al tiempo, que por años se respira !
Ay, que las CC dezaseis caminan
A cumplir lo que los dos arabes
Moros in la astrologia eminentes,
Que del tiempo por computos concernientes
Predito lo tienen !
Ay, que ya vienen
Las letras caminando al siglo de oro,
Para el Luso occulto, y para el Moro !
Victorio en el cielo ya se acclama,
Angles a sus lados
Traerà el Luso por soldados etc.

E vaticinando outras coisas, assinou-se ao pé do pergaminho - Leocádia.

Profecias de S. Cláudio Bispo.

No fim de livro das profecias de S. Isidoro, impresso em Valença no ano de 1520, está uma de S. Cláudio que diz:

"Um rei de Espanha, que será coroado aos quatorze anos de sua idade, e guerreiro até aos vinte e quatro, sujeitará a maior parte do mundo, e será santo, e reinará trinta e cinco anos e tomará a casa santa."

E se alguém duvidar entender-se esta profecia do senhor Rei D. Sebastião, por dizer que há de reinar trinta e cinco anos, e ele apenas reinou dez, respondemos que os que faltam, reinará depois que Deus o trouxer. E bem se vê entender-se dele a profecia, pois se coroou aos quatorze anos, e aos vinte e quatro empreendeu a guerra em que foi desbaratado.

Profecia de S. Ângelo Carmelita.

Lastimado o santo de ver que os castigos que Cristo Senhor nosso prometia ao gênero humano por seus pecados, eram grandes, disse-lhe Cristo: "Que mandaria quem os levantaria." Respondeu-lhe: "Da antiga descendência dos franceses se levantará um, que será de grande piedade para com Deus, e será recebido pelos reis católicos, e professores da fé católica, e será muito amado deles, e cercará o mundo por mar e por terra, e socorrerá as coisas oprimidas da Igreja: e juntando-se com o romano pontífice, alimpará os erros dos cristãos, e da cristandade: restituirá a Igreja ao estado desejado dos bons, mandará seus exércitos, aos quais seguirão muitos de sua própria vontade, e posto que nestas guerras morram muitos, por meu nome, em paga subirão a gozar os triunfos do Céu. Este passará com grandes frotas o mar, restituirá as igrejas perdidas, livrando a Jerusalém.

E é de advertir, que não é objeção ao nosso intento, dizer que há de ser da antiga descendência dos franceses: porque o senhor Rei D. Sebastião é neto de Carlos V, que foi francês, descendente dos duques de Borgonha.

Profecia de S. Nicolau Factor, à qual se refere Francisco Navarro de Hativa na sua Política Espanhola à fl. 328.

"Despues de destruida la seyta mahometana em Hespaña, echados los moros, se tratarà en ella dela recuperacion dela Tierra Santa, y se pregonarà guerra, à la qual marcharan muchas compañias de soldados: y en oyendo los lavradores, que estaran cultivando sus campos, que aquellos apparatos son para la Tierra Santa, se inflamaran de tal suerte en devocion, que sin acordar-se de bolver a sus casas, tomaron el mismo camino; y la misma bandera deste exercito serà de frayles y clerigos; y en este medio se llevantarà en la iglesia el espirito de un nuevo David, que serà um pontifice romano, escogido por el mano de Dios, el qual reformarà la iglesia catholica en tiempo, que se allarà en tanta apertura, que apenas seran catholicos, y fieles la tercera parte de los que tienen nombre de christianos. Este nuevo pontifice reduzirà la iglesia a su antigo estado, y reduzirá a los hereges; y reduzidos se juntaran con el rei, en quien estarà la gracia de Dios. Todos tomaran los thezoros de las iglesias, y hechos moneda llevataran gente en el chrystianismo, y con poderozo exercito marcharan la buelta de Jerusalem. Este exercito passarà por el estrecho de Gibraltar en Africa, y caminarà hasta sitiar la ciudad de Libia, ò Fez; y en ella el gran leon de Hespaña desembainarà una espada de virtud, reservada para el, y proseguirà su jornada por Barberia, matando e abrazando a todos los que no pidierem el sagrado baptismo, ni professaren el nombre de Christo; y seron tantas las victorias que alcançarà de los moros, que de cien legoas vendran postrados a sus pies entregar-le las llaves de las ciudades, y fuerzas; y en esta forma vendrà com sus fuerzas sobre Tunes, donde formarà una poderoza armada, y el campo caminarà por tierra. Luego que llegaren las nuevas al turco, de que el rei Leon viene tan poderozo, congregarà un formidable exercito, que pondrà en cuydado al Leon de Hespaña; mas Dios le confortarà por medio de un angel, assegurando-le, que no tema porque le tendrà de su parte. Con este auxilio, la armada christiana, que hirá por mar, se apoderarà de la ciudad de Alexandria do Egypto; y quando el avizo llegar al turco, que serà al amanecer, se acobardarà de tal suerte, que deshaziendo el exercito, se retirarà a la tierra dentro; y deixando el campo franco, el Leon continuarà sus victorias hasta Jerusalem, y en llegando a ella, se arrojarà pecho por tierra, y darà gracias a Dios por tantas victorias y mercedes. Por este tiempo quedarà Hispaña ............ ; porque, para acudir a la Tierra Santa, apenas se allaran en ella hombres de 14 años arriba, que non sean viejos, e inutiles, y quando vinieren de la conquista, se cumplirà la profecia, que siette mugeres iran traz un hombre, perguntando la una per su marido, la otra por sus hijos; y quando los hombres se acertaren de encontrar por las calles, se gratularan entre si, de haveren llegado a ver-se juntos, despues de tantas tribulaciones. Todo el hombre està alierta, que el tiempo buela, y no sabemos la hora."

Profecias tiradas das cartas de S. Francisco de Paula, escritas
a seu companheiro Simão de Ximena, as quais andam no fim
do livro de sua tida, e na primeira parte da sua crônica.

Diz primeiramente em uma de suas cartas: - "Vuestra santa generacion serà maravilhosa sobre la tierra, entre la qual vendrà uno de vuestros descendientes, que serà como el sol entre las estrellas. El tal hombre serà en su puericia y adolescencia quasi santo, mas en su juventud serà peccador: despues serà convertido de todo a Dios, y harà gran penitencia, y seranle perdonados sus peccados, y tornarà a ser santo. Serà gran capiton, y principe de gente santa, llamados los santos cruciferos de Jesu Christo, con los quales dezharà la seita mahometana, con todo el resto de los infieles, anniquilará las heregias, y tirannias del mundo, reformará la iglesia de Dios con sus sequazes: seron los mejores hombres del mundo en armas, en letras, y toda otra virtud del Altissimo. Tendrá el dominio del mundo temporal, y espiritual, y regirá la iglesia de Dios in sempiterna secula. Amen."

Diz mais em outra carta a este intento, ao dito Simão Ximena, chorando os maus governos dos príncipes:

"Ay, ay de vos otros! Dios Omnipotente llevantarà, de pobrissimo, gentil hombre del linage de Constantino, hijo de Santa Helena, y del linage de Pepino um descendiente lo qual traherà en el pecho la señal, que viste en el principio desta carta. Por virtud del Altissimo consumirá los tyrannos, los hereges y infieles: combatirá com ellos, y matará todos los rebeldes del Altissimo. Ó Sr. Simon! Tal hombre será de vuestros descendientes etc. De Paula I de abril de 1455."

Diz mais em outra carta ao mesmo Simão: - "Apresenten-se todos los principes del mundo, espirituales y temporales, para esperar el grandissimo açote, que vendrá sobre ellos, el qual será de los infieles, y de los hereges, y despues vendran fidelissimos, y escogidos del Altissimo, santos cruciferos, los quales no podiendo vencer primero con letras los hereges, se moveran impetuozamente contra ellos con las armas. Venceran muchas ciudades, castillos, fortalezas, y villas con muerte de infinito numero de buenos y malos; los buenos seran martyres de Jesu Christo, y los malos del demonio. Los infieles se bolveran contra estas dos partes de hereges, y catholicos; mataran, arruinaran, y sacaran la mejor parte de la christianidad. Del otro bando se moveran los santos cruciferos, non contra los christianos, ni dentro de la christianidad, siño contra los infieles en el paganismo, y le conquistaran todo con muerte de infinito numero de infieles, y despues se bolveran contra los malos christianos, y mataran todos los rebeldes de Jesu Christo, e le quitaran todo lo espiritual y temporal, que ansi es voluntad de su divina magestad. Regiran y governaran el mundo santamente in saeculam saeculorum. Amen. De vuestra linage serà el fundador de tal gente santa. Mas quando será tal cosa? Quando se veran los señales, y se verá sobre el estandarte el crucifixo? Viva Jesu Christo biendito; Gaudeamus omnes, nos otros que estamos en el servicio del Altissimo porque se llega ya la gran vizita, y reformacion del mundo, será un ganado, y un pastor. Adios. 25 de março de 1460.”

Diz mais em outra carta ao dito Simão, ao mesmo intento:

"Ya se vá acercando la hora que a divina magestad visitarà el mundo con la nueva religion de los santos cruciferos, con el crucifixo llevantado sobre el mas alto estandarte, y de mejor logar: estandarte admirable a los ojos de todos los justos, que en los principios escarneceran todos los incredulos, y malos christianos; mas despues que vean las maravillas, y victorias contra tyrannos, hereges, y infieles, sus burlas se converteran en lagrimas. Esta santa gente hará arsoyos, con rios de la sangre de los rebeldes da divina Magestad. Ó quantos infelicissimos animos se hiran al infierno, cujos cuerpos seran comidos de los animales brutos, castigo merecido de todos aquellos, que seran transgressores de los divinos preceptos por obstinacion, y no por fragilidad; porque à los fragiles penitentes, la soberana Magestad, y misericordia les perdona de ordinario benignamente! Ó santos cruciferos, escogidos del Altissimo, que sereis gratissimos al gran Dios, mucho mas por cierto, que lo fue el pueblo de Israel! Mostrarà señales mas maravillozos por vosotros, que jamas mostró por otro pueblo: vosotros destruireis la maldita seita mahometana: vós otros poreis el freno a toda la suerte de infieles seitas, y heregias del mundo, y sereis el acabamiento de todos los tirannos: vós otros pondereis silencio con perpetua paz por todo el universo: vosotros hareis santos a todos los hombres. Ó gente santa! Ó gente biendita de la Santissima Trindad. Señor Simon, y hermano en Jesu Christo, companero charissimo, alegre-se vuestra anima, que el gran Dios se digna del remedio de un descendiente vuestro, y hijo mio bendito, para dar una religion tan santa al mundo, la ultima de todas e la mas amada de la Magestad divina. Vencedor se llamarà su fundador: vencerà el mundo, la carne y el demonio. Laus Deo, y a todos los suyos henditos etc. 17 de maio de 1462.

Diz mais adiante ao mesmo Simão, em outra carta, e ao mesmo intento:

"Vendrà despues de vós un descendiente vuestro, ansi como muchas vezes lo tengo escrito, y profetizado, por la voluntad del Altissimo, el qual harà otros muchos echos, y señales. Este hombre será gran peccador en la juventud, y despues se converterá al gran Dios, del qual serà llamado como fue Pablo. Será fundador de su nueva religion, differente de las otras todas, y repartila-ha en tres ordenes de cavalleros armados, sacerdotes, solitarios, y hospitaleros piedosissimos. Será la ultima religion de todas, y hará fruto en la iglesia de Dios mayor que todas as otras ultimas. Extinguirá la maldita seita de Mahoma, y todos los hereges y tyrannos del mundo se extirparan. Tomarasse por fuerza de armas todo lo temporal y espiritual: será un ganado, y un pastor, y reduziran el mundo a una santa vida, y viviran in saecula saeculorum. Amen. En todo el mundo no haverá sino doze reis, um imperador, y poquissimos señores, los quaes todos seran santos. Viva Jesu Christo biendito, porque a mi, indigno siervo y pobre peccador, se ha dignado darme espirito pofetico, con clarissimas profecias, no escuras, como a otros siervos las ha dado, y hecho dizir, y escrivir. Bien, que de los incredulos, y gente precita, no seran sino burladas mis letras, y no las creeran, mas en los fieles espiritos catholicos, que aspiran al santo paradiso, estas letras engendraran tanta suavidad en el amor divino, que se deleitaran leendolas muchas vezes, y procuraran sacar copias delas con grandissimo fervor. En estas letras se coneceran quales son de Chisto biendito, y quien predestinado y precito, y mucho mas en la señal de Dios vivo, que quien le reverenciare, amare, y trahere será santo de Dios. 13 de agosto de 1496."

Outras muitas mais coisas diz em diversas cartas, e em diferentes partes este propósito; mas como seguimos brevidade neste discurso, parece-nos o que fica referido bastante fundamento para desenganar os duvidosos, se não quiserem ser incrédulos, e cair em os outros infames títulos com que o santo os apelida.

Profecias do padre Frei João de Rozacelça, religioso de S. Bento Aragonês, as quais mandou a El-Rei D. Fernando estando em Granada.

Depois de muitos vaticínios, diz:

El que primero vencido,
Con muerte de su ganado
Dexò sollano, y collado,
Quedar-seha adormecido,
Quazi muerto y trespassado ;
Sale con nuevo pendon
En cavallo mariano
Dexa el Auzonio y Troyano
Para otra occazion,
Viene aora al Occeano etc.

Depois de vaticinar outras muitas coisas, diz:

Quedan tres coronas, cierto,
Lo que una sola hà sido,
Y coronado el vencido,
El que fue un tiempo muerto,
Por mostrar, que era perdido.
Su bandera encruzarà
Todo es cruzes quanto le veis,
Cinco cruzes le vereis
Blancas, y una en blao tendrà,
Y en blao todas pintareis.
Esta insignia venturosa
De varias flores ornada,
Serà en la tierra dichosa,
Que en medio està fundada.

E dizendo outras coisas, acaba assim:

Tres PPP y una S junto
Son las quatro de que hablamos:
Al S el señor atamos,
Y al P el primer punto,
Por el qual todos lloramos.

Em outra parte diz o seguinte:

Mis sueños occultos son
Nadie los entenderà
Però vivendo verà
Quien lo viere, en gran Leon
Muerto ressuscitarà.
Ya parece descubierto
El de branco, y colorado
y dize con braço armado;
Mio es el jardim, y huerto,
Que o mi propozito fue tomado.
Saldrà de la occulta cueva
Tan espantozo, y airado
Que se espantarà el prado
De le ver corona nueva,
Y cruz en el siniestro lado.

Profecias de Santo Isidoro.

Santo Isidoro na profecia 26, diz assim:

"Sahirà el Leon de su morada, despertando de su temerario sueño, causa de tantos males etc."

Na profecia 55, diz assim:

"Llamado será encuberto por las altas montañas, y con catholico zelo deixarà la tierra huerfana etc."

Ainda aqui se não contém a metade das profecias que há ao intento, mas o nosso e tratar com brevidade; e assim vejamos agora, e ouçamos os vaticínios, como prometemos no princípio deste segundo fundamento.

Vaticínio que, S. Zacarias, discípulo de S. Francisco, fundador do convento de Alenquer, deixou nele, tirado de S. Isidoro, e de Cassandra.

Vaticínio que S. Zacarias, discípulo de S. Francisco, fundador do convento de Alenquer, deixou nele, tirado de S. Isidoro, e de Cassandra.

"Isidorus, et Cassandra, filia Priami regis troyanorum concordati in unum dixerunt: In ultimis diebus in Hispania maiori regnabit rex bis piè datus: et regnabit per feminam, cujus nomen inchoabitur per Y graecum, et terminabitur per L: et dictus rex ex partibus orientalis veniet, et regnabit in juventute: ipse expurgabit spurcitias Hispaniarum, et quod ignis non devorabit, gladius vastabit: regnabit super domum Agar, et obtinebit Jerusalem, et super sanctum sepulchrum signum crucifixi ponet, et erit monarcha maximus."

Advirta-se que aquele in Hispania maiori denota Portugal, porque Espanha divide-se em três Espanhas: Terraconense, Hispalense, e Lusitânia, e esta anigamente era maior e mais estendida que hoje, como consta de todos os cosmógrafos e historiadores: e o mesmo Santo Isidoro disse em outro texto, que para Portugal hão de vir. Aquelas partículas - regnabit per feminam etc., claramente denotam o senhor Rei D. Sebastião.

Vaticínio de Frei Bartolomeu Salutivo, ou de Salúcio.

Foi Bartolomeu Salutivo franciscano venerado em toda a Itália, por sua santidade e zelo apostólico, escreveu um livro de predições na era de 1606, as quais se têm provado com os efeitos: seu principal assunto é tratar dos castigos da cristandade, pelas armas do turco; mas depois vendo o remédio, diz assim:

Mà si volete odire una cansona
Verrà de Lisbona
Chiara, e illustre persona,
Adorna de ogni opera buona
La qui fama risona
In tuta parte elido
Nel mondo dà gran grido.

Quer dizer:

Mas se quiseres,
Vos direi uma canção.
Virá de Lisboa
Uma nobre e ilustre pessoa,
Adornada de boas obras,
Cuja grande fama,
Espalhada por toda a parte
Em o mundo dará um grande brado.

Vaticínios de S. Frei Gil português, conservados no
real mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

1.° Ecclesia Dei a multis, sed frustra opprimetur.

2.° Sanctum evangelium, praelia, seditiones, dissentiones, prodigia, inundationes, terraemotus, fames, pestilentiae ubicumque erunt; confidete fideles qua nondum statim finis.

3.° Ungaria turcos propulsabit potender.

4.° Galliae reducentur feliciter.

5.° Roma componet prudenter.

6.° Veneti juvabunt utiliter.

7.° Italia pacare reget.

8.° Ecclesia haereditate ditabitur.

9.° Anglia religione cadet, formidabilis erit, sed ab extris occupabitur fraudulenter.

10.° Hispani non frustra timebunt.

11.° Britania contentione vexabitur.

12.° Lusitania sanguine orbata regio diu ingemisset, et multipliciter patientur; sed propitius tibi Deus salus a longinquo veniet, et imperate ab isperato redimeris.

13.° Africa debellabitur.

14.° Imperio ottomanum ruet.

15.° Ecclesia martyribus coronabitur.

16.° Bisantium subvertetur.

17.° Domus Dei recuperabitur.

18.° Omnia mutabuntur.

19.° Magnates deprimentur.

20.° Humiles exaltabuntur.

21.° Orbis à tribus moderabitur.

22.° Aetas aurea reviviscet.

23.° Pax ubicumque erit.

24.° Felices, qui viderint.

Vaticínio de S. Metódio.

S. Metódio no liv. 6 cap. 28, diz:

"Expergiscetur rex in furore magno, quem existimabant homines tamquam mortuum."

O mesmo santo no liv. 37 das Visões dos tempos, como também na Biblioteca dos santos padres, diz:

"In his diebus apparebit in luna vitale signum; resurget rex ex somno, qui fuit asinus et camelus. Leo decipabit agarenos, dicetur magnus imperator romanorum, et restituet domum sanctitatis, et erit pax plurima. "

Vaticínio que o doutor Gregorio d’Almeida refere na Restauração de Portugal.

O doutor Gregório d'Almeida, refere na Restauração de Portugal um vaticínio, dando por testemunha o conde de Cantanhede, o qual se achou em uma sepultura, e tirando-lhe as claúsulas, que não fazem a seu intento, diz assim: - "Cum sol libaverit ossa mea, appropinquabit laetitia lusitanorum, setember autem videbit ingressum Ruphi Insulani, occultus rex apparebit, sacrum promontorium coronabitur."

Vaticínio de João Carrion.

João Carrion em o liv. Chronicos Chronicorum libelus refere este vaticínio à fl. 358:

"Excitabitur Caesar perinde, ac homo ille dulci sopore correptus a somno; hic reputabitur ab hominibus velut mortuus, et ascendet supra mare magnum, et invadet turcos, et vincet eos, uxores, et liberos corum ducet captivos; ingens metus et terror magnus obruet turcos; mulieres, et pueri eorum lamentabuntur, et querelas effundent: ominis terra turcorum tradetur in manu romanu Caesaris."

Vaticínios do padre José de Anchieta, da relação da sua vida.

Estando este servo de Deus com o seu companheiro, e outras pessoas leigas, em Pernambuco, praticando ficou demudado e suspenso, tanto que lhe perguntou o companheiro se tinha alguma coisa que o molestasse.? E tornando em si, disse: Irmãos, demos graças a Deus Nosso Senhor; porque a esta hora se perdeu El-Rei D. Sebastião; e era no mesmo dia 4 de agosto de 1578. E perguntando-lhe o companheiro por el-rei, respondeu que escapara, e que Deus o tinha livrado daquele perigo, mas que tarde tornaria a reinar, e que seria depois de passados muitos anos, e ele e Portugal padecerem muitos trabalhos.

E o mesmo venerável padre disse também a Manuel de Gaia, morador no Espírito Santo, que El-Rei D. Sebastião havia de passar três vezes a África, e a havia de ganhar e conquistar, e muita parte da gente mourisca havia de receber o sagrado batismo, pedido por ela de sua livre vontade, e que tomaria a cidade de Alexandria, onde se tomariam grandes riquezas, e que destruiria a casa de Meca, da qual não ficaria memória, e que conquistaria toda a Palestina, Antióquia, Jerusalém, e todo o império do turco, em que se tomariam grandes riquezas, e que conquistaria o império de Alemanha, por reinar nele imperador herege, e que seria Portugal uma ave fênix como o fora antigamente Roma, que senhoreou o mundo, e que o príncipe seu filho conquistaria toda a Ásia, e seria senhor de todo o mundo, porque tudo isto estava ordenado pelo Senhor, e que El-Rei D. Sebastião era um santo rei, pelo que o guardava Deus, para por ele obrar tudo o que fica dito.

Disse mais, que toda a gente do norte e setentrião viriam ao grêmio da Igreja, e dariam obediência ao Santo Padre, e que seriam muitos povos de Portugal governados pelos pequenos, pelo que seriam melhor governados do que antes, e com justiça. Estando este servo de Deus à hora da morte disse ao dito Manuel de Gaia, que viesse a Lisboa, e dissesse a quem governava o reino, que governasse com justiça; porque o senhor Rei D. Sebastião era vivo, e havia de vir tomar posse dele. Temendo o dito Manuel de Gaia vir com esta embaixada, o padre o assegurou dos seus temores, dizendo-lhe que tornaria sem perigo. Fez o que o padre lhe mandou, e deu aos governadores o seu recado. Esteve o dito homem seis ou sete meses em Lisboa, e avisando os governadores a Madri, tardou tanto a resposta, que o dito homem se partiu, e nisto esteve o mistério; porque no primeiro correio depois da partida do dito homem, veio ordem para que fosse lá levado. Isto viu toda Lisboa.

Vaticínio de Pedro de Frias, comentador das profecias de Santo Isidoro.

Depois de vaticinar muitas coisas, diz assim:

Por las traiciones de atroz
Sale el leon assañado,
Blanco, azul y colorado
Son los pendones, que traz:
Sale de guerra, y de paz
El Bisneto de Manoel,
Nadie se burle con el,
Que el leon es muy sañudo,
En la paz blando y sizudo,
Y en la guerra muy cruel.

Passando a outras coisas, diz:

En Marrocos entrarà,
Y serà grande señor,
En Africa emperador,
Y por tal se coronarà:
Y las cosas, que harà
En toda la Moraria
En Africa, y Berberia,
Al mundo todo espanta:
Tomarà la casa santa,
Reinarà en la gran Turquia,
Y serà dos vezes dado
Por rei à los lusitanos
Esfuerço de los christianos
De todos serà acclamado
Y serà Christo adorado,
Por aquesto cavallero,
Y como fuerte guerrero
Domarà el pueblo descreido,
De todos serà temido
Christo por Dios verdadero.

Vaticínios do venerável padre Antônio da Conceição, que comumente chamam o Beato Antônio, os quais se acharam depois da sua morte.

Os tempos mais esfaimados
Esperam grandes fortunas,
Nunca tardam as venturas
Se se atropelam pecados.
Terá fim nossa dor,
Se em boa razão me fundo,
Terá melhoras o mundo
Quando estiver pior,
Isto não terá detença
Mediante alguma virtude;
Porque é mais certa a saúde
Quando se passa a doença.
Virá rei muito famoso,
De outra sorte coroado,
Este fará nosso estado
De mui triste, venturoso.
Árvore é transplantada
Posto que nunca esquecida
Este fará nossa vida
Toda bem-aventurada.
Belos frutos traz consigo,
Enxertados noutra terra,
Que na mais horrenda guerra,
Assombraram o inimigo.
Tomaremos belos portos
Entre tão grandes extremos,
Todos ressuscitaremos
Quando estivermos mortos.
O leão com passos incertos
Com suas garras virá,
Mas mui cedo se verá,
Com os colmilhos abertos.
Ficarão os lusitanos
Felizes nesta ocasião,
E logo ressuscitarão
Com seus feitos soberanos.
Daquela mais bela terra
Virá a nossa conquista
Daquela, que não é vista,
Senão dos que vivem nela.
Mas ah, que grandes sinais
Estou antes disto vendo!
Ah, que açoite tão tremendo
Hão de aguardar os mortais!
Ah' grande tribulação,
Que em todo o povo se espalha!
Mas ah, que grande batalha
Tem a serpente com o leão!
Junto daquela cidade,
Que tem os campos de um santo,
Haverá horror e espanto,
Sairá triunfante a verdade.
Verás, se atento me lês,
O seu tormento só sinto,
Quando ao número quinto
Acrescentares mais três.
Aquele grande cometa,
Que antes há de aparecer,
Mostra, que havemos vencer
Aquela malvada seita.
Ah Portugal, Portugal,
Fiel na divina lei!
Verás o encoberto rei
Com coroa imperial.
Olha, que a ti te procura,
Confia em teu esperar
Que muito te há do custar;
Nunca o muito pouco custa.
Se tu queres ver na Terra
Os sinais mais turbulentos,
Verás, que teus próprios ventos
Te hão de fazer mais guerra.
Verás no mundo opressores,
E apertos mui de repente;
Não verás ninguém contente,
Senão os grandes Gailões.
Não terás a quem abrandes,
E com queixas muito menos;
Verás chorar os pequenos,
E só se hão de rir os grandes.
Mas em tão cruel porfia,
Tudo se há de trocar,
A alegria em pesar,
E o pesar em alegria,
Quando correrem as águas
Por três dias mui coadas,
Então serão acabadas,
Ó Portugal, tuas mágoas.
Denota grã claridade
Esta escura cerração,
E depois da turbação
Verás a serenidade.
Verás os lenhos famosos
Que dos islenhos te chegou,
E com bonanças navegam
A fazer-nos venturosos.
Verás aquele Senhor
Que por S se começa,
A quem o mundo obedeça
Por absoluto Senhor.

Vaticínios do ermitão de Monserrate.

Por las puertas del estrecho
Un encubierto entrarà,
Dòs infantes traerà,
De esfuerço, valor, y pecho.
A Portugal và derecho,
Passando herculeas colunas,
Y sin temor de las lunas
Quedarà Africa admirada,
Que los hilos de su espada
Provar querrà sus fortunas.
En una ciudad fundada
Por un griego capitan,
Rey, y infantes entraràn
En la prostrera jornada etc.

Vaticínios que tinha o arcebispo de Lisboa, D. Miguel de Castro

Terras no meio do mar,
Que já foram descobertas,
Para as achar tão incertas,
Que as não poderão achar
Tornando-as a procurar
Que tesouro aqui se encerra!
Aos lusos o rei pio,
Dado milagrosamente,
Duas vezes à moura gente
Toda passa pelo fio
Da sua cruel espada.

TERCEIRO FUNDAMENTO

Prova-se também a vinda do senhor Rei D. Sebastião, com revelações de santos, e de pessoas de conhecida virtude, como ouviremos.

Revelação de Santa Teresa de Jesus.

À fl... cap... do tom. 1.° da Crônica dos carmelitas descalços, diz Santa Teresa, que revelara Deus aos 4 de agosto de 1578 a perda d'el-Rei D. Sebastião, e dos que o acompanharam na guerra, e afligindo-se a santa com a tal perda, disse -lhe o Senhor: Se eu os achei dispostos para trazê-los a mim, de que te afliges tu? E acrescenta mais a santa no cap... fl..., que daquela perda haviam de redundar grandes bens, e coisas de grande glória de Deus, e admiráveis na Igreja.

Revelações de madre Leocádia da Conceição, às quais se refere o
padre Baltasar Guedes, reitor dos órfãos do Porto, em a breve relação que fez daquilo que sabia da dita madre, constrangido de seus confessores, com a qual comunicou, e as diz e jura.

Em nenhum modo esta admirável madre era afeiçoada a ouvir falar coisas do encoberto, e dizia, que era perder tempo falar nesta matéria: neste tempo fui eu a Lisboa ordenar-me, pediu-me então a venerável madre, visitasse da sua parte a madre Brízida, pessoa bem conhecida, e celebrada neste reino, de quem o licenciado Jorge Cardoso, que Deus tenha, em o 3.° Agiológio traz sua vida, e onde a podem ver os curiosos.

Cheguei a Lisboa, fui vê-la, e a primeira coisa que me disse foi: Diga, meu padre, à madre Leocádia, que em breve tempo se desenganará, e que eu a venero muito; porque o Senhor quando foi ao Tabor, revelou a glória a seus discípulos, e nem por isso os nove que ficaram ao pé do monte, deixaram de ser discípulos.

Acabei eu o meu negócio, e vim para esta cidade, e fui dar conta à venerável madre do que a madre Brízida me tinha dito: sorriu-se a nossa madre Leocádia, e me disse: Meu filho, se a coisa é de Deus, ele a fará entender quando for servido.

Passados alguns meses, um dia depois de vésperas, foi se a madre para a sua capelinha, como costumava, e em chegando a ela, viu que estava da parte de dentro um homem deitado, todo vestido de armas brancas desde o bico do pé até a cabeça, onde tinha um formoso elmo ou capacete com a cabeceira fechada, e em o braço esquerdo um escudo, e nele gravadas as armas deste reino, e na mão direita um bastão. A cabeceira deste homem estava uma árvore, em cujo remate estava a imagem de Cristo Senhor nosso crucificado, e ao pé desta árvore estava ao modo de um ermitão de joelhos, com as mãos levantadas em oração, e da parte direita estava uma mulher em pé, toda vestida de branco com um véu de volante pelo rosto, a cabeça bem composta, e na mão direita uma custódia, e na esquerda uma cruz. Da parte esquerda da árvore estava um gentil mancebo, com um estandarte nas mãos, com as sagradas quinas deste reino, e junto dele um homem mais entrado na idade, vestido ao comprido, como de cor roxa.

Sobressaltou-se a venerável madre com a visão, e como era de natural intrépida, como mulher forte, quis entrar para dentro, e disse-lhe a mulher: Persigna-te, e diz o credo, protesta a fé, como te ensinou o padre Frei Agostinho de S. Paulo, que então era confessor do dito convento, religioso de muita virtude e autoridade. Persignou-se, parou, e disse o credo, e protestou a fé de joelhos: feita a protestação da fé, ouviu claramente dizer ao mancebo que tinha o estandarte na mão, para o que estava deitado: Tu, que dormes, levanta-te; e no mesmo instante se levantou. Replicou o mancebo para o que estava ao pé da árvore: Tu, que oras, espera; e para o que está junto a si: Tu, que vigias, segue-me. E nisto saíram pela porta da capela afora, para a parte do mar, lançando estas vozes: Espanha, Espanha, que será de ti! Roma, Roma, Portugal, Portugal, império, império; e isto diziam todos em som de guerra.

A venerável madre ia seguindo com a vista esta visão, e viu que lá para o mar, além dos Capuchos, se reduzia aquela cruz vermelha em forma de flor-de-lis.

Era a este tempo a venerável madre porteira da porta de cana, e tangendo-se a campainha, correu à obediência, vindo chorando os trabalhos da cristandade; e abrindo a porta viu a mesma cruz, que dantes vira vermelha, posta no ar sobre o pátio toda branca e refulgente.

Com este espírito do que vira, tomou a chave, e na parede, que faz costas à capela, fez com a chave o retrato da mesma cruz; e não sei se estará ainda hoje no próprio lugar.

Passaram-se alguns tempos: entre eles me comunicou esta visão, pedindo-me segredo, e o meu parecer. Respondi-lhe, que era eu mochacho e néscio, e que sua reverência o comunicasse ao seu confessor, que era letrado e virtuoso, e como tal lhe respondeu, que se não inquietasse com o que vira, que Deus Senhor nosso lho manifestaria quando fosse tempo.

Nesses tempos continuava fervorosa oração, e estando uma tarde no coro, viu que no arco da capela-mor estava formada uma formosíssima árvore, semelhante a um plátano em as folhas e cachos; porém advertia ela, que aquela igreja lhe parecia muito maior, sem comparação do que ela é, e que sobre ela estava a imagem de Cristo Senhor nosso crucificado, que está no arco da capela-mor. Ao pé desta árvore estava virado para o altar-mor aquele ermitão que ela viu embaixo na capela do Senhor dos Passos, ao pé da árvore que fica referida. Ouvia a venerável madre, que dizia este homem para o altar-mor. Memento mei, qui Alphonso dixisti. Estando assim a venerável madre admirada, sobre suspensa, advertiu, que pela porta da igreja, ainda que fechada, entrava um homem de terrível aspecto, fazendo vênia ao Senhor, e foi chegando à árvore, trazendo em as mãos um machado e um ancinho de ferro. Em todo este tempo dizia o ermitão as palavras que em latim ficavam escritas.

Tomou este homem o ancinho, e foi esfolhando toda a árvore, cujas folhas assim como caíam, se sumiam, e da mesma sorte os cachos, que depois das folhas foram arrancados: ficou a árvore como se fora estio.

Feita esta cerimônia, pôs de parte o ancinho, e pegando no machado, foi aquele tremendo homem cortando todos os troncos da árvore, sem ficar um só; e ouvia a venerável madre uma voz sentida, saída do altar-mor que dizia ao cortar dos troncos: Dissipati sunt, torquentes cor meum.

Dizia-me esta madre, que me comunicou esta visão: Meu filho, cada tronco que caía fazia tal estrondo, que me parecia que todo o convento se arruinava. Perguntei-lhe o que fazia quando via esta visão.? Respondeu-me: Conformava-me com a vontade de Deus, e pedia-lhe misericórdia, e neste ponto (dizia ela) parece que o Senhor me dizia: Post tenebras spero lucem.

Desaparecida esta visão, sentia-se a venerável madre mui compungida e sentida: deu parte a seu confessor, e ele a deu ao padre guardião, que então era aquele grande servo de Deus a quem chamavam Frei Manuel de Jesus, e por ser de Monção, lhe chamavam o Galego de alcunha. E chegando a falar com ela o dito padre guardião, e animando-a da visão que havia visto, disse-lhe que continuasse nos seus santos exercícios, e que quando comungasse pedisse a Deus nosso Senhor, desse-lhe a sentir as circunstâncias da visão, já que fora servido mostrar-lha. Obedeceu a madre, e passadas algumas comunhões, sentiu que por locução interior se lhe dizia: A árvore que viste, é este reino, cujo povo significam as folhas dela, significadas as riquezas em os cachos; os troncos que viste, são os fidalgos que hei de dissipar e destruir, porque atormentam os pobres e desvalidos, que são o meu coração; aquele homem que viste que esfolhou e cortou, é o meu vigor com que hei de castigar este reino, pois se não aproveita da minha misericórdia, ofendendo-me, como se não fora reino meu; aquele que viste de joelhos ao pé da árvore chorando, é o corpo místico deste reino, em que se significam os povos que me amam; esses me pedem, me lembre deste reino, como prometi lembrar-me ao primeiro rei deste reino D. Afonso Henriques.

Perguntou-lhe a venerável madre: Senhor, aquelas palavras últimas: Post tenebras spero lucem , bem mostram que vossa piedade se há de lembrar, depois que passarem os trabalhos; mas ficar aquela árvore sem troncos, arrematada com poucas folhinhas, que me pareciam de louro, ao pé da vossa cruz, que significa? Ouviu então que se lhe dizia: Filha, o tronco real deste reino, nunca o hei de acabar, e com os poucos que escaparem, significados nas poucas folhas que viste, hei de aumentar este reino, que há de ser império até ao fim do mundo.

Nestes tempos não passava a venerável madre dia, que não tivesse visões; porque todo o seu cuidado era encomendar muito a nosso Senhor a paz da Igreja, e deste reino com Castela; gastava no coro muitas horas, e ordinariamente a estava acompanhando o encoberto, que era aquele homem, que ela viu deitado, como acima fica dito, ao pé da árvore que ela tinha visto em a sua capelinha do claustro, do Senhor com a cruz às costas. Falava com ela em português, mas nunca levantava a viseira do elmo, e sempre o viu coberto de armas brancas até as mãos.

Muitas vezes disse-me a venerável madre, que ele era santo. Em o dia que comungava via sair extraordinárias luzes por baixo da viseira. Perguntava-lhe a venerável madre, onde habitava, e quando havia de vir a este reino, porque claramente dizia, era El-Rei D. Sebastião, e a forma em que andava no mundo.? Ao que respondia, era reservado só a Deus nosso Senhor.

Vinha um dia a venerável madre abrir a porta de cima, de que era porteira, e vindo pelo corredor, viu que diante dela vinha o encoberto, e trazia pela mão aquela mulher vestida de branco, que acima fica dito que na capela do Senhor com a cruz às costas disse à venerável madre, que se persignasse, dissesse o credo, e protestasse a fé; e encontrando-se a veneranda madre em o corredor lhe perguntou o encoberto: Vós casastes? Respondeu-lhe a mulher, que era a Igreja: Este, que vês, me há de reformar desde a ara pontifícia até o menor clérigo de menores, e ao mundo dará coroa imperial.

Em outra ocasião estava em coro, depois de vésperas a venerável madre em oração, quando viu entrar pela porta do coro dentro um homem velho bem parecido, vestido de armas brancas, trazia em o braço esquerdo muitas coroas, e em sua própria cabeça trazia uma bem ornada, que parecia imperial; viu logo entrar outros homens vestidos de vários modos, e cada um que chegava fazia profunda vênia ao Santíssimo Sacramento, e dali ajoelhava ao pé do velho, e lhe beijava a mão, e logo lhe punha o velho uma das coroas que no braço tinha. Iam-se estes reis pondo à roda em forma de círculo, e o úlimo que entrou, era ainda moço no aspecto, gentil homem, de presença mui agradável; e tanto que este apareceu, lhe fizeram todos muita cortesia; o velho o tomou nos braços, e tirando de sua própria cabeça a coroa, a pôs em a cabeça do moço, e o pôs junto a si. Chegou logo um velho em forma de eclesiástico, e querendo beijar a mão ao primeiro velho, lhe virou as costas, e desapareceu a visão.

Passados alguns dias andava a venerável madre muito assustada e suspensa com o que vira: estando ela no coro depois de vésperas em oração, apareceu-lhe no mesmo coro mão com uma asa mui resplandecente: esta mão pegava em uma cadeia lustrosa e de grandes elos, a qual vinha acabar em o encoberto. Passou a visão à sua vista, e ficou muito sobressaltada; e virando-se para o altar-mor disse: Senhor, que é isto? Cadeias? Quereis prender a Portugal e cativá-lo? E toda debulhada em lágrimas prostrou-se por terra, pedindo misericórdia para este reino. Teve logo uma locução interior, que lhe dizia: Filha, a cadeia que viste, se puderas contar os seus fuzis, acharias que eram dezesseis, que significam os dezesseis reis deste reino, que são os que há poucos dias viste neste coro. Aquele primeiro velho era El-Rei D. Afonso Henriques, em quem comecei este reino; e por isso ia dando as coroas aos mais, e o último que viste entrar era El-Rei D. Sebastião, em cuja cabeça pôs o velho a sua coroa, e o recebeu nos braços. O eclesiástico que viste, foi o cardeal que entregou o reino a Castela, e não a quem pertencia; por isso o velho lhe virou as costas, e nem bênção, nem coroa lhe deu. A cadeia que viste em a mão com as asas, é do anjo Custódio deste reino. A cadeia que viste com elos unida, são os reis deste reino, tão unidos todos em fé, que nunca a quebraram, antes prevaleceram e perseveraram nela sempre fortes; e por isso viste o encoberto fixo nela, que pela exaltar, saiu à conquista.

Quando a venerável madre me contou esta visão, estava muito alegre em o Senhor, certificando-lhe sempre que este reino era puro na fé, e que o encoberto a havia de propagar por todo o mundo.

Quando Elvas esteve sitiada, à hora em que o nosso exército entrou em as trincheiras, apareceu-lhe o encoberto, e lhe disse: Eu fui o primeiro que rompi as trincheiras, e logo se foram seguindo os que foram entrando, e D. Luis de Haro tem deixado tudo, porque eu o intimidei e fiz ir fugindo: dá graças a Deus nosso Senhor por esta vitória; porque o Senhor me deu licença para te dar esta nova, pois com tanto cuidado lhe encomendas as coisas deste reino.

Estava a venerável madre na tarde do Dia de Reis rezando segundas matinas em o coro, por certo escrúpulo que lhe ocorreu, e chegando ao salmo que diz, Da imperium tuum puero tuo et salvum fac fìlium ancillae tuae, apareceu-lhe o encoberto e lhe disse: Deixai-me rezar, não me inquieteis; e se me ordenais que repita este verso, dizei-me o para quê? Respondeu-lhe o encoberto. Amiga, esse verso, suposto se intenda de Cristo Senhor nosso, também se acomoda a mim; porque me tem o Senhor prometido que hei de reformar e ser imperador; porque sou o filho mais obediente da Igreja nossa mãe.

Em tempo que Évora esteve de sítio pelo inimigo, recolheu-se a venerável madre ao coro em um dia de tarde, levando consigo trinta e duas freiras com velas acesas, como muitas vezes costumava; e estando recomendando a Deus nosso Senhor, restituísse a cidade de Évora à sua liberdade, estando em o fervor da oração, entrou pelo coro dentro uma religiosa doida, que havia no dito convento; esta trazia uma cana na mão com um papel, como bandeira, dizendo: Vitória, vitória. Respondeu a venerável madre: Escutai, filhas, que ainda não é tempo; e passado algum tempo mais, disse muito alegre para as freiras: Louvemos todas muito a Deus nosso Senhor, que já Évora está restaurada.

E perguntando-lhe eu em outra ocasião por este negócio, disse-me : Filho, o encoberto também andou na batalha, e logo me deu a nova de tão bom sucesso. Seja o Senhor bendito para sempre.

Revelações do irmão Pedro de Basto, tiradas da sua vida.

Sendo este servo de Deus ainda menino, viu em o ar um mar muito tempestuoso, e que nele estava deitado um homem vestido de armas brancas, o qual fazia diligências por se livrar, mas não podia; e ouvia uma voz que dizia: D. Sebastião Rei de Portugal, D. Sebastião Rei de Portugal. E viu mais dois exércitos, e que em um vinham homens a cavalo em leões brandindo setas, lançando fogo pela boca, mui irados, e queriam chegar ao homem que estava deitado, mas nunca o puderam conseguir, porque sempre dele estiveram distante oito braças.

Estando este servo de Deus orando na missa a Deus, pelos bons sucessos de Portugal, e pedindo para este reino remédio, viu ao levantar da hóstia a El-Rei D. Sebastião com um diadema na cabeça, todo vestido de verde. Muitas outras coisas viu este servo de Deus acerca desta matéria.

Revelações de Leonor Rodrigues, beata carmelita, de grande santidade, cuja vida anda em as crônicas carmelitanas, e suas visões alegadas por muitos autores, e tidas em grande autoridade; porque todas as coisas que predisse, sucederam realmente.

Viu esta serva de Deus uma vez que em Belém desembarcava um homem venerando, e que para ele ia correndo muita quantidade de gente, e muitos frades a beijar-lhe a mão, e havia muita alegria e contentamento.

Viu também um homem venerando que tinha beiço fendido, e em uma mão a letra S., e em outra um B.

Pedindo-lhe um religioso, por nome frei Pedro Tomás, que pedisse a Deus lhe revelasse, se era vivo El-Rei D. Sebastião, viu um sacrário que se abria e se fechava; abriu-se segunda vez, e segunda vez se tornou a fechar.

Viu também que vinha muita gente de fora a este reino, e que Lisboa estava muito receosa, temendo lhe vinha ali algum mal, mas que esta gente estrangeira deixava em Lisboa um homem, e se tornava, e que este governava a cidade e reino, com o que estavam todos muito contentes.

Em o ano de 1633, viu por muitos dias contínuos um homem velho, fornido de membros, e barba larga, no trono deste reino, com coroa nova, e que em termo de três dias se fazia senhor dele.

Viu outra vez um homem ancião metido em um abismo, e que logo se punham a cavalo alguns com ele.

Viu mais um homem de cabelo branco, e o beiço de baixo a modo de fendido, o qual tinha na mão uma bandeira verde, e que lhe dava S. Teresa.

Quarenta anos contínuos mostrou-lhe Deus um sol, que vinha de fora, e nascia em Tomar, o qual se estendia e resplandecia por todo o mundo.

Viu em uma ocasião um sol muito resplandecente que nascia em Lisboa, e deitava quatro braços para as quatro partes do mundo, e que a Lisboa vinham muitos frades fazer reverência àquele sol, com o qual estavam contentíssimos.

Outras muitas coisas que não é possível relatar, podem-se ver no padre Sebastião de Paiva na sua Quarta Monarquia, as quais lhe revelou seu confessor, e ele as confirmou. Trata também de suas revelações o padre Belchior de Santa Ana na Crônica dos Carmelitas.

Revelações da serva de Deus Maria da Cruz.

Em Viseu houve outra serva de Deus e virtuosa mulher, chamada Maria da Cruz, a quem Deus nosso Senhor revelava grandes segredos, e fazia muitos favores: pedindo a Deus lhe revelasse se era morto ou vivo El-Rei D. Sebastião, lhe mostrou Deus entre os vivos, e entre os mortos, sem declarar outra coisa mais, que estar diante de Deus.

A esta mesma lhe mostrou Deus grandes coisas sobre a jornada de Jerusalém, e que pessoas que hoje vivem, seriam sepultadas no santo sepulcro. Isto refere o padre Sebastião de Paiva.

Revelações de soror Marta de Cristo,
religiosa no Convento da Esperança.

Na era de 1578, em 4 de agosto, dia da desgraçada batalha de África, estando esta serva de Deus no coro fazendo oração, começou a gritar que lhe acudissem e viessem também chorar aquela tão grande perda do exército. Acudiram as religiosas e levaram-na para a cela; e tornando em si lhe perguntaram o que vira; e respondeu que naquela hora se perdeu El-Rei com todo o seu exército, e referiu a forma em que se perdeu; o que depois se soube, que assim foi: e perguntando-lhe por El-Rei, disse que Deus o livrara.

Quando o Sr. D. Antônio veio sobre Lisboa com os ingleses no ano de 1589, quiseram as religiosas do dito convento sair, como fizeram as mais que estavam extramuros, e a dita soror Marta de Cristo aconselhou-lhes que não saíssem porque o senhor D. Antônio não havia de ser rei de Portugal. E perguntando-lhe a abadessa, quem o havia de ser, respondeu, que El-Rei D. Sebastião, ao qual guardava Deus para remédio de Portugal. Tomaram as religiosas o conselho, e assim sucedeu, porque o exército foi-se sem ninguém receber dano.

Chegou a Portugal a nova, como El-Rei D. Sebastião estava em Veneza no ano de 1598; perguntou-lhe a abadessa, que pois ela certificava ser El-Rei D. Sebastião vivo, que alcançasse de Deus nosso Senhor com suas orações, se era ele o que se dizia estar em Veneza. Obedeceu a serva de Deus, orou pelo negócio, e respondeu que ele era o mesmo; mas que primeiro que ele viesse ao reino havia de passar muitos anos, e ele e Portugal muitos trabalhos.

QUARTO FUNDAMENTO DOS PRODÍGIOS

Prova-se, também, e defende-se a vinda de El-Rei D. Sebastião com prodígios dignos de lembrança e admiração; mas como referir estes todos é coisa dificultosa, e quase impossível, faremos menção de alguns, e posto que poucos, valerão por muitos.

Seja o primeiro, aparecer o pergaminho do juramento de El-Rei D. Afonso Henriques, poucos meses antes de estar El-Rei D. Sebastião em Veneza na era de 1598. Saiu a público este juramento em dezembro de 1597, havendo mais de 400 anos que fora escrito. Quis advertir a Divina Providência que nada ordena ao acaso; que não desconfiássemos quando víamos ao 16.° rei atenuado e impossibilitado, afirmando que nessa 16.ª geração atenuada havia de pôr os olhos da sua misericórdia: Possuit enim super te, et super semen tuum post te oculos misericordiae suae, usque in decimam sextam generationem, in qua attenuabitur proles, sed in ipsa attenuata ipse respiciet, et videbit.

Seja o segundo o que refere Gregório de Almeida na Restauração de Portugal, cap. 9. Tratando-se da colocação da imagem do senhor D. Afonso Henriques, que estava para se pôr no frontispício do real convento de Alcobaça, se não achou um pau em todos os pinhais de Leiria, que no comprimento e grossura pudesse servir. Neste tempo rebentou na Pederneira, no porto de S. Martinho, um pau de tanta grandeza e grossura, que foi necessário cortá-lo para servir na dita obra. Vinha coberto com muitos limos, e mexilhões pegados, sinal de vir do interior do mar. Aos 16 de dezembro de 1632 colocou-se a dita imagem, e depois de posta em o nicho, passada uma hora, viu-se um globo de fogo, com cauda de duas braças da parte do mar, que fica ao ocidente do mosteiro, o qual corria direito à estátua, e na mesma altura dela, mostrando claramente, que só a ela demandava, e tanto que chegou, parou sobre a coroa do glorioso rei, sobre a qual se desfez, deixando o ar alumiado por bom espaço de tempo; prognóstico, diz este autor, da restauração, e ressurreição deste reino, e assim são consideradas todas as circunstâncias do sucesso. O mastro saiu do mar, com sinais de estar escondido largo tempo, que isto denotam os limos que trazia; o resplandor da coroa, vindo também da parte do mar, indicava tudo a 16.ª geração atenuada e encoberta por largo tempo em lugar marítimo, da qual Deus a subiria outra vez à coroa a seu tempo: Virum ascendentem de corde maris.

Seja o terceiro: Em o ano de 1601, aos 13 de junho, sucedeu o prodígio de dar o santo Rei D. Afonso Henriques por três vezes três pancadas na sua sepultura, ao tempo que El-Rei D. Sebastião estava preso em Nápoles (como esteve em Veneza dois anos, sete meses, e dois dias, dando-se-lhe depois a liberdade) em conformação, de que aquele preso tinha quem por sua causa acudisse, e não menos que a raiz daquele mesmo tronco.

Em os mesmos 13 de junho de 1601 tangeu milagrosamente o sino de Belilha, muito mais tempo do que tinha tangido na prisão de Afonso III rei de Aragão na batalha naval, e em outras ocasiões notáveis em Castela; e nesta frei Marcos de Guadalajara fez esta obra em verso, assim como se fizeram outras muitas:

Cuenta-se una maravilla,
Todo se puede creer,
Que se viò por si tañer
La campana de Belilla.
Tambien se cuenta una nueva,
Que el primero portugués
Dio golpes trez vezes trez
Allà dentro de su cueva.
Mas tienen-se por verdades,
Y pues ansi se publican
Grandes cosas pronostican
Tan estrañas novedades.
Y aun que son cosas obscuras,
Y por vezes tuvo gana
De tañer esta campana,
Mas nunca las sepulturas.
Esto se poderà desir,
Que esta campana a ossadas,
Nò tañe a cosas passadas.
Tañe à las por venir.
Portugal ultra el Mogon
Suelta sus nobles banderas,
Gentes pocas, mas guerreras
Vencieron mucha nacion.
Hizo tributarios reys,
Tan lexos, cosa increible,
Nunca pudo lo impossible
Reformar los condes reys.
Por interpreza à las luchas
Del mal, y del merecer,
Le ha faltado que vencer,
Pero nunca embidias muchas.
Por casos, Dios sabe quales
A Castilla la real,
De Aragon y Portugal
Sirven los sceptros reales.
Bien se pudo presumir-se
Por lo de Affonso, y campana,
Que la monarquia de Hespaña
Es tiempo de dezunir-se.
Antes es cosa sencilla
Acabar-se todo imperio:
Plegue a Dios, que a nuestro imperio
No se le entre la polilla.
Alguna vez amarillos
Miren lo cargue el baston
En la frente del leon
Las quinas en los castillos.
Aora Hespaña y Castilla
Se juntou. Ay, que estã junta!
Plegue a Dios, como a difunta
Que no le taña Belilla,
Viendo en esta conjectura
Solo un rey bueno, e mil malos,
El mejor re¡, que huvo a palos
Brama de la sepultura.
Si el discurso nó me engaña
Alegra-te Portugal,
Al cabo de tanto mal,
Sobre los reinos de Hespaña.
Ya Dios te abre los puertos
Para bienes excessivos,
Ayer callavan los vivos,
Oy vemos hablar los muertos.
Bien puede ser, quando viene,
Hablar rei sin duda muerto,
Esperar otro encubierto
Que por muerto no se tiene.
Y que mucho es, que guardasse
Dios, un vivo de la muerte,
Pues hizo, que aquel rey fuerte
En cenizas buelto hablasse?
Portugal, nõ seas Thomas,
Que nõ ay llaga en que meter
La mano para creer:
Vivo está, no quieras mas:
Que es verdad ansi se vio,
Que elrey tenido por muerto
Nõ moríò, ni fue cautivo,
Mas vivendo se quedó.
No es mucho, segun se prueba
De su condicion altiva,
Con tal desgracia, que viva
Cien años en una cueva.
Y se a males ordinarios
Huvo Dios de dar castigo,
Que mucho es guardar un vivo
Por medios extraordinarios?
Y se tanta confuzion
Te cauza algun desconsuelo,
A cosas que son del cielo
Nó le busques mas razon.

Finalmente, soltando muitas coplas, que tocam sucessos de vários reinos, acaba assim:

Tuvierala por mejor
Si tornara de repiquez,
Mas el santo rei Henriquez
Quita a su reino el temor.
Pudiera quexas tener
De su reyno siempre amado,
Pues havendo-le jurado
Nò lo quizieron creer.
Si emperò el mismo amor
Pone la quexa en olvido,
Para que sea cumplido
Lo que prometio el Señor.
Si a Dios pide licencia oy,
Para restaurar su arbol,
Y base dentro del marmol,
Como dizendo: Aqui estoy.

Seja o quarto prodígio: No ano de 1598 manou em Belém, do sepulcro do príncipe D. João, pai do Senhor Rei D. Sebastião, sangue, por dezoito dias, e é quando D. João de Castro diz, que Sua Majestade estivera muito apertado em Nápoles; ao que atende a sibila Eritréia: Vera-se un portento, sangriento señal, que el padre con ancias de muerte renueva. Eu falei com o padre sacristão, que então era, e me disse, desejara, se tivesse poder, abrir o túmulo, e ver donde manava.

Seja o quinto prodígio: Na era de 1598 um menino de dezenove meses, em Santarém, dizer repentinamente: Há de vir o Bastião, e nesta desejada vinda falou três vezes em doze dias. Refere o caso por extenso o padre frei Sebastião de Paiva na sua Quinta Monarquia, que viu o relatório autêntico do pai do dito menino.

Seja o sexto: Na noite de 27 de outubro de 1601 se queimou o Hospital de Todos os Santos de Lisboa, em cuja desgraça aconteceram dois prodígios: o primeiro foi ficar intacto o retrato do Sr. Rei D. Sebastião, posto que defumado, ficando queimados todos os outros reis, e consumidos. O segundo foi que ficaram livres as armas de Portugal feitas de madeira, que estavam sobre o cruzeiro. Destas premissas está clara a conseqüência.

Seja o sétimo um reparo: Por que razão, em tantos anos, se não tem feito sepultura de mármore, para o sepulcro que dizem alguns ser D'el-Rei D. Sebastião, e se fez para a do Cardeal Henrique? Foi descuido ou foi acaso? Filosofe cada qual como lhe parecer.

Seja o oitavo outro reparo: Como houve tal descuido em suas reais exéquias, que até o presente dia se não fizeram, sendo o rei que lhe sucedeu seu tio, homem eclesiástico, muito pio, e que com grandes afetos o amava? E depois dele morto, porque não fez esta ação Filipe 2.°, prudente por nome, e por ações um dos mais vigilantes políticos, entre todos os do seu tempo, e do passado, a quem muito convinha arrancar dos corações dos portugueses o amor de seu rei natural, com segurar a certeza de sua morte nas funerais demonstrações? E o que mais é, que por duas ou três vezes se deram mil cruzados aos oficiais, para elas, e se encomendou o sermão, e nunca tiveram efeito. Que coisa é isto? Uma disposição maravilhosa da Providência Divina; porque não quis Deus permitir que ação tão séria e de verdade fosse executada em um corpo de mentira.

Seja o nono, e último: Estando os cinco governadores, que sucederam ao Cardeal D. Henrique, em Almada, por causa da peste que houve no ano de 1598, mandaram um mestre de obras a Extremoz cortar duas sepulturas, uma para o cardeal, outra para o jazigo que chamavam D'el-Rei D. Sebastião. Foi o mestre, tirou a pedra para a sepultura do cardeal, quis tirar outra para a D'el-Rei (que assim o querem), e quebrou-lhe pelo meio, e o mesmo que sucedeu com a primeira, sucedeu com a segunda, e com a terceira, que determinou tirar, e vendo o dito sucesso desistiu da empresa, e deu conta aos governadores, os quais ficaram suspensos, e lhe encarregaram segredo. Este homem estando para morrer, entregou ao seu confessor um escrito, que referia isto, afirmando-o pela conta que tinha de dar a Deus naquela hora, o que não afirmara em vida, por causa das cominações e penas que lhe foram impostas.

QUINTO FUNDAMENTO DOS  PROGNÓSTICOS DOS MAIS INSIGNES ASTRÓLOGOS

Também conciliam autoridade e prova os escritos dos insignes astrólogos, os quais escreveram largamente acerca desta matéria. Ponderemos o principal.

Primeiramente Lourenço Moniati, insigne astrólogo napolitano, mestre de Joviano Pontano, em o 3.° Livro de seus Metros, falando da conjunção de Júpiter e Saturno, que foi o ano de 1503 diz, que naquele tempo, isto é, no tempo dos efeitos da conjunção, nasceria um rei bem-aventurado, manso e pacífico, o qual tiraria todos os males do mundo, e teria as gentes em muita justiça, e em todo o mundo seria amado e temido.

Também um insigne varão por nome Lantibórgio, prognosticou um príncipe muito honesto, e de grande autoridade, que reinaria em todo o mundo.

O grande matemático Kepler, em o livro, que escreveu da Estrela Nova, que apareceu na era de 1604, dela prognosticou duas coisas memoráveis. A primeira, que na cristandade se levantaria uma nova monarquia, a qual crescendo com a idade, viria a formar a seu tempo um império universal, debaixo de cuja obediência todos os reinos do mundo, que ao presente tumultuavam ferozmente em guerras, deporiam as armas, e ele seria o jugo, que os amassasse, e o freio que os contivesse em paz : Novam ex hoc tempore rempublicam adolescere, cujus imperio generali regna hodiè valdè tumultuantia subigantur olim: ut ita mundus nimium inquietus, et ferox aliquandiu sub hujus monarchae tutela conquiescat.

A segunda causa que prognosticou, considerando a estrela foi a que se continua nas palavras seguintes: Circumferuntur passim vaticinia mahometanorum, ex quibus multi evincere volunt hoc esse tempus, quo sit interitura eorum religio. Quibus placebit Deum hoc ipsum indicare voluisse incensa nova stella in Sagittario, quae est triplicitas solis, et Martis, cum sol, et Jupiter christianis favere dicatur ab astrologis (quorum conceptibus Deus uti ponitur). Mars vero turcis. Et quidem stella magis cum Jove concordavit in latitudinis plaga, Mars vero fuit in maxima latitudine Australi, quae hac vice esse potuit, depressus igitur. Hinc victoria religionis christianae supra turcicam astrologicè concluditur. Vem a dizer em suma: que, segundo os vaticínios que se sabem acerca da seita maometana, é parecer de muitos que o tempo, e o último período da sua duração, se vem chegando; e considerando o sítio em que a estrela nova se achava com o Sol, e Júpiter, que eles dizem favorece aos cristãos, e com Marte, que também dizem que favorece aos turcos, se conclui, e convence astrologicamente a vitória total da religião cristã contra a seita maometana: Hinc victoria religionis christianae supra turcicam astrologicè concluditur.

E como esta estrela apareceu assinaladamente no signo de Sagitário, que domina sobre Espanha, e na parte do mesmo signo, que distingue a figura do serpentário, que domina sobre Portugal, por ser a serpente o timbre de suas armas, claramente se vê, que este império e este monarca há de ser da Lusitânia. E isto confirma João Carrion em o livro que imprimiu em Leão de França intitulado - Chronicorum libellus - donde em largas razões prova ser Portugal o último e maior dos impérios.

Isto mesmo corrobora André Gonçalves Salmanticense em o Tratado que escreveu da Conjunção Máxima: ponderem-no os curiosos, e consultem-no.

Mas o nosso lusitano Bocarro resplandece entre todos; Velut inter ignes luna minores, o qual largamente escreveu do império lusitano, e seu fundador. Sendo cinco as suas intrínsecas das exaltações dos impérios; 1.ª as conjunções dos planetas Saturno e Júpiter; 2.ª a mudança dos auges dos planetas, principalmente do Sol; 3.ª a mudança da excentricidade; 4.ª a obliqüidade do Zodíaco; 5.ª o orbe magno; com engenho agudo, e sutil arte mostra este autor em o seu Anacefaleoses da Monarquia Lusitana, que em Portugal se denota este grande império, nas oitavas 57, 58, 59, 61 e 62.

Oitava 57:

Soberbo passa atropelando o monte,
Vestido de Mavorte, irado o gesto.
Outro novo, senão Belorofonte
De uma nuvem cercado, obscuro, e mesto.
À ninfa rogo, que o que é me conte,
Se o presságio da nuvem tão funesto
É de ruína, ou de imatura morte?
A ninfa me responde desta sorte:

Oitava 58:

Quando cinco agarenos superando
O santo Afonso, a quem Tonante incita,
A cristífera imagem venerando,
A progênie no céu viu quase escrita:
Que na décima sexta atenuando
Se iria, lhe prediz sacro eremita;
Sustentada porém do Nereu coro
Nova honra alcançaria, e mais decoro.

Oitava 59:

Chegou-se o tempo, não feliz, mas certo,
Que rogando evitar não posso, ou basto:
Do reino congregou o pouco esperto
A gente, que perdeu fatal Sebasto;
De nuvem, como viste, vai coberto;
Porque na morte, como vês, o engasto,
Que às vezes é defensa do mau fado,
Juízo para Deus só reservado.

Oitava 61:

Do tempo que refiro, e não consumo,
Enquanto os casos míseros espendo
Compassos giro, e medindo o rumo
Vou da fortuna o pólo compreendendo:
Do mouro, que se exalta, então presumo,
Pelas coisas celestes discorrendo,
Que seu termo hoje tem, e a majestade,
Aquela que venceu naquela idade.

Oitava 62:

Venceu o lusitano, que a ventura
Dominador criou da Barberia;
Mas como a mútua sorte, que procura
Formar a portuguesa monarquia,
Indigesta estivesse, e não madura
Naquela perfeição que o céu queria,
Venceu ao vencedor o luso forte
Que agora incita o céu, exalta a sorte.

Claramente se colige destas oitavas, quem quis insinuar Bocaro havia de ser o autor desta monarquia.

SEXTO FUNDAMENTO DA FÉ DOS HISTÓRICOS

Em todos os que escreveram as histórias dos nossos reis desde seu princípio, se não pode deixar de observar nos mesmos reis um instinto e inclinação natural, ou sobrenatural, contra todos os sequazes da seita de Mafoma. Vimos que a natureza, desde a geração e nascimento, infundiu aquela certa aversão e antipatia em uns animais contra os outros, como é nos que servem à caça de volateria contra as aves, e na da montaria contra as feras, e até nos domésticos, que vigiam e limpam a casa contra as sevandijas, que a infestam e roubam; e tal é, e foi sempre desde o nascimento de Portugal em reino, a antipatia de seus reis, e antes de terem este título, dos que Deus ia preparando para o serem; porque já então tinha semeado e infundido neles esta natural aversão, e sobrenaturais espíritos contra os mouros e turcos, não como de homens contra homens, mas como de cristãos e professores da fé e lei divina, contra a brutal canalha dos infames seguidores da ímpia e blasfema cegueira maometana.

Foi concebido o reino de Portugal, antes de o ser, no Conde D. Henrique, e estando ainda em embrião, já estava animado com os espíritos da conquista de Jerusalém, para onde Henrique caminhava desde França, e para onde foi de Portugal por general do socorro que El-Rei D. Afonso de Leão, seu sogro, mandou ao Papa Urbano II, pelo qual foi eleito em um dos doze capitães, em que se repartiu o peso de todas as armas católicas.

Nasceu o mesmo reino nos campos de Ourique, entre os braços armados D'el-Rei D. Afonso I, e ali com tantos impulsos dos mesmos espíritos, como se viu na prodigiosa vitória contra os imensos exércitos dos cinco reis mouros. Tomou Miramolim a inundar o reino com quatrocentos ou quinhentos mil infantes, contra El-Rei D. Sancho I, que também foram desbaratados, repartindo-se a vitória entre a espada de Deus, e a de Sancho, o qual não contente de ter vencido a Mafoma em Portugal, o mandou vencer fora do reino pelo seu Mestre de Aviz, na batalha de Alarcos.

Contra El-Rei D. Afonso II se aquartelaram em Elvas, com numerosos exércitos, os dois reis mouros de Sevilha e Jaen; porém com os espíritos do primeiro Afonso, que viviam no valoroso rei, ele não só os venceu em batalha campal, mas entrando com suas armas vencedoras por suas próprias terras, pôs a ferro e a fogo toda a Andaluzia.

El-Rei D. Sancho II, posto que infamado de pouco cuidadoso, não se descuidou daquela obrigação que nos reis portugueses parece ainda maior que a de cuidar dos vassalos, e fez tal guerra aos mouros, que recuperou de sua tirania os reinos dos Algarves.

Tomaram sobre eles as armas de Mourama, e logo viram sobre si a El-Rei D. Afonso III, que não só os desalojou dali, e das relíquias, que ainda conservavam em alguns lugares de Portugal, mas os foi conquistando nas suas fronteiras, em que lhes ganhou vilas e castelos.

El-Rei D. Dinis, posto que ocupado em pacificar as outras coroas de Espanha, e também a sua, ajudou poderosamente a El-Rei D. Fernando de Castela, no intuito da conquista contra os mouros de Granada.

Em socorro destes passou El-Rei de Marrocos com as forças de toda a África, reinando já em Portugal D. Afonso IV, o qual em pessoa marchou logo a Sevilha, aonde, duvidando-se da batalha, pela imensa multidão dos bárbaros, ele somente a aconselhou e venceu.

El-Rei D. Pedro e D. Fernando parece que tiveram adormecidos um pouco estes espíritos, por não haver já ao pé mouros que conquistar; mas ressuscitaram tão ardentes e generosos em El-Rei D. João I, que indo-os buscar a África, lhes tirou das mãos em um dia, e sujeitou à sua coroa a cidade de Ceuta. Sustentou-a poderosamente El-Rei D. Duarte, e logo El-Rei D. Afonso V, chamado Africano, tendo já tomado Alcácer aos mouros, com maior e mais arriscado empenho se fez senhor de Tânger.

Prosseguiu as mesmas empresas El-Rei D. João II, por mar e terra, ganhando as praças interiores, e ganhando fortalezas; e pondo já os pés sobre o mar para passar a África em pessoa, bastou a fama desta resolução para conseguir o fim dela.

El-Rei D. Manuel conquistou muitas cidades africanas, e fez tributárias outras; mas com os olhos em Jerusalém, e na extinção total da seita maometana, representou por seus embaixadores ao Sumo Pontífice que se fizesse guerra ao turco juntamente por ambos os mares, e que ele tomaria à sua conta toda a do mar Roxo, e para a do Mediterrâneo concorreria com trinta galeões.

El-Rei D. João III ajudou a guerra de Túnis com a pessoa de seu irmão o infante D. Luís, e competente armada; e posto que não continuou a conquista da Mourama vizinha, foi para mais estender e apertar a remota.

E, finalmente, El-Rei D. Sebastião, solicitado do Papa Pio V, que casasse em França, prometeu que aceitaria o casamento, se El-Rei cristianíssimo lhe desse por dote, entrar com ele em liga contra os turcos; e finalmente só, e sem sucessor se embarcou para África.

Assim que, este natural e hereditário espírito dos reis portugueses, tão singular entre todos os primeiros cristãos, e tão constantemente continuado por mais de quinhentos anos, em tantas batalhas contra maometanos, e tão favorecido do Céu em tantas vitórias, é um manifesto sinal de serem eles os destinados por Deus, para últimos vingadores das injúrias de sua Igreja, e que para sempre tirem do mundo, e acabem este maior perseguidor, e tirano da cristandade.

E senão digam: donde veio a Moisés aquela aversão natural contra os egípcios, com que não só depois de homem vingava neles com a morte as injúrias que faziam aos hebreus, mas ainda menino, e inocente metia debaixo dos pés a coroa de Faraó, senão porque já Deus ia lavrando nele o cutelo do Egito, e a ruína total daquele ímpio rei, e do seu império?

E por que foi Sansão tão contrário dos filisteus, e Gedeão dos medianitas, senão porque aos cabelos de um e aos fios da espada do outro tinha Deus vinculado o castigo daquelas duas grandes nações, tão poderosas como bárbaras?

E, finalmente, entre os doze exploradores dos doze tribos, por que só Josué com Caleb foi o que o persuadiu e facilitou a guerra e conquista das terras de Canaã, que são as mesmas que hoje domina e possui o turco, e nelas os sagrados lugares da nossa redenção, senão porque ele os havia de sujeitar com tão milagrosas vitórias, e repartir aos seus exércitos, que eram os católicos daquele tempo?

Com razão podemos logo inferir pelos cânones e regras universais da justiça, e providência divina, que os portugueses e os seus reis hão de ser os Moisés, os Gedeões, os Sansões, e finalmente os Josués da potência e tirania do turco, e os libertadores gloriosos da terra e casa santa.

SÉTIMO FUNDAMENTO DO JUÍZO DOS POLÍTICOS

Dos historiadores passemos aos politicos. Muitos pudera alegar, mas entre todos, e por todos, me contentarei com o juízo de um, que com as vozes e sentenças de todos, professou felizmente ser mestre da política. Este é Justo Lipsiu, varão incomparável nas notícias do mundo antigo e moderno, e nenhum mais vigilantíssimo observador das diminuições e aumentos dos reinos e impérios, e das causas por que uns se levantam, outros caem; uns dominam, outros servem; uns crescem, outros diminuem; uns nascem, outros morrem; e quase debaixo da sepultura alguns talvez ressuscitam.

No cap. 16 do livro da Constância depois de mostrar este grande autor com largo, e eloqüentíssimo discurso, que nenhuma coisa há no mundo que tenha firmeza, ou fosse já, ou pareça hoje grande, chegando à potência dos turcos, e acabando com eles, diz assim: Adeste etiam pelliti vos Scythae (ob turcas dico, qui ex illis) et potenti manu paulisper habenas temperate Asiae, atque Europae. Sed isti ipsi mox discedite et sceptrum relinquire illi ad Occeanum genii. Fallor enim? An solem nescio, quem novi imperii surgentem video ob occidente? Entrai vós também neste número, ó citas, antigamente vestidos de peles, que hoje com o nome de turcos dominais com poderosa mão, e tendes nela as rédeas da Ásia, e da Europa. Mas vós, esses mesmos, cedo perdereis o lugar que tendes, e o largareis àquela gente habitadora lá do oceano. Porventura engano-me eu? Ou estou vendo que do ocidente nasce e se levanta o sol de um novo império?

Não nomeia Lipsiu nestas palavras a Portugal, mas é certo e evidente, que fala dele. Bem vejo, porém, que não faltará quem diga ou cuide que fala em geral de Espanha, que não só em toda a Europa, mas em todo o mundo é a mais ocidental. Mas o contrário se convence de todas as mesmas palavras: Illi ad Occeanum genti significa uma só nação, e essa a última, a qual esteja toda metida e rodeada do Oceano, como está Portugal: sendo que Espanha é composta de muitas nações, e por um lado, e o mais principal, com muitos reinos, pertence ao Mediterrâneo. Solem surgentem ab occidente, também demonstra o mesmo com a elegância da contraposição, em nascer, e se levantou no ocaso o Sol, que se levanta e nasce no oriente. E qual é o ocidente ou o ocaso, em que o sol se esconde e sepulta, senão as terras e mares de Portugal? A cláusula novi impero, exclui claramente a Espanha, cujo império não era novo, nem que de novo se havia de levantar, principalmente entrando unida toda ela na sujeição de uma só cabeça, que foi Filipe II, para cuja fortuna, como pondera o mesmo Lipsiu, tendo El-Rei D. Manuel vinte e dois herdeiros, que o excluíam, foi necessário que morressem todos.

Finalmente (para que o mesmo autor seja o intérprete deste seu pensamento) no 4.° livro da magnitude romana, cap. 12 aludindo a este império universal, com que lida em tantas partes dos seus escritos, e indo a dizer, que virá tempo e caso em que assim seja, o companheiro (com quem ali fala em diálogo) lhe foi à mão dizendo: Per ignem sermones tui erunt, et vide ne ambulare: Repara Lipsiu, que estas tuas palavras se metem pelo fogo, e olha não te queimes. Donde se segue manifestamente que o fogo e perigo em que se metia era esperar, e prometer outro império dentro em Espanha; porque sendo ele vassalo seu, como flamengo, natural dos estados católicos de Flandes, ficaria suspeitoso, e indiciado de menos devoto e afeto às felicidades e grandezas daquela monarquia, o que de nenhum modo se podia temer se ele lhe prognosticasse os acrescentamentos do império universal, antes seria o maior obséquio e lisonja que podia fazer aos mesmos reis.

Em suma, que em todos estes lugares fala Lipsiu do futuro império universal, que se há de levantar, como um novo sol, na gente mais ocidental do Oceano (que são os portugueses) e que a esta gente se há de passar o cetro, e sujeitar toda a potência do turco.

E se alguém, com razão perguntar, de que princípios se pode inferir politicamente que este império universal e último se haja de levantar nos últimos fins ou raias do ocidente? Respondo que da experiência havida pelas histórias, que são aquele espelho inculcado por Salomão, em que olhando para o passado, se antevêem os futuros. E posto que estes dependam dos decretos divinos, pelos efeitos que os olhos vêem dos mesmos decretos, não só conhece o discurso humano quais eles fossem, mas infere, quase com certeza, quais haja de ser. Assim o notou em outro lugar o mesmo Lipsiu, advertindo (e pedindo se considere) que o poder e o domínio do mundo sempre veio caminhando ou descendo do oriente para o ocidente: Nescio quo povidentiae decreto res, et vigor ab oriente (considera si voles) ad occasum eunt.

O primeiro império do mundo, que foi o dos assírios, e dominou toda a Ásia, também foi o mais oriental: dali passou aos persas, mais ocidentais que os assírios, dali aos gregos, mais ocidentais que os persas, dali aos romanos, mais ocidentais que os gregos; e como já tem passado pelos romanos, e vai levando seu curso para o ocidente, havendo de ser como é de fé, o último império, aonde pode ir parar, senão na gente mais ocidental de todas, que são os portugueses?

Mas por que o mesmo autor desta advertência confessa ignorar a razão dela, e a da providência divina em um tal decreto: Néscio quo providentiae decreto; não será temeridade, nem consideração supérflua dizer eu a razão que se me oferece; e é, que Deus enquanto governa dor do mundo, se conforma consigo mesmo, enquanto criador dele. A sabedoria com que Deus governa o universo é a mesma com que o criou. Que muito logo, que no modo do governo, e da criação se pareça a mesma sabedoria, e o mesmo Deus consigo? Deus criou o mundo em sete dias, e vemos que no governo do mesmo mundo, nas idades, nas vidas, nas doenças, nos dias críticos, e nos anos climatéricos, observa sempre os períodos do mesmo seteno. Pois assim como Deus no governo da natureza observa a proporção dos tempos, assim é de crer que no governo dos impérios observe a proporção dos movimentos. O sol, os céus, as estrelas, os mares, todos se movem perpetuamente do oriente para o ocidente; e porque a roda, que os ignorantes chamam da fortuna, é própria e verdadeiramente a da providência divina, correndo sempre os movimentos naturais do universo desde o oriente ao ocaso, pede a proporção e harmonia do mesmo universo, que também corram do oriente para o ocaso os movimentos políticos. Assim que, não é totalmente violenta a força que muda e desfaz os impérios antigos, e cria e levanta os novos; mas essa mesma violência ou força tem muito de natural, pois segue os movimentos e peso de toda a natureza. No oriente nasceu o primeiro império, no ocidente há de parar o último.

E certamente que não havia juízo político, alheio de paixão, que medindo geometricamente o mundo e suas partes (na suposição em que imos, de que Deus há de levantar nele império universal) não conheça neste cabo ou rosto do ocidente, assim lavado do Oceano, o sítio mais poporcionado e capaz, que o supremo Arquiteto tenha destinado para a fábrica de tão alto edifício. Como o sangue nos corpos viventes e sensitivos é o humor e instrumento principal, sem o qual se não poderam sustentar nem viver, assim neste vastíssimo corpo do universo em que a terra e os penhascos são a carne e os ossos; o mar, os portos e os rios são o sangue, os nervos e as veias, por onde nas mais remotas distâncias se pode unir o coração com os membros, e por meio deles lhes comunicar a vida, e reparar as forças com aquela distribuição igual e contínua, sem a qual se não pode conservar e muito menos ser um. As naus grandes e poderosas são as pontes do Oceano, e as embarcações menores, as dos rios caudalosos e navegáveis: com estas se unem as povíncias, com aquelas o mundo se não divide em partes, e até as mesmas ilhas se fazem continentes. E que outro lugar há no universo tão acomodado a receber ele, como de uma só fonte, todos estes benefícios vitais, mais breve e facilmente que Portugal, situado quase na boca do Mediterrâneo, não longe das gargantas do Báltico, e para o Atlântico e Etiópia para o Eritreu e o Índico o mais vizinho? Ali se deságua o Tejo, esperando entre dois promontórios, como com os braços abertos, não os tributos de que o suave jugo daquele império libertará todas as gentes, mas a voluntária obediência de todas que ali se conheceram juntas, até as da terra hoje incógnita, que então perderá a injúria deste nome.

Lava o celebradíssimo Tejo, ou doira com as suas correntes as ribeiras, e faz espelho aos montes, e torres de Lisboa, aquela antiquíssima cidade, que na prerrogativa dos anos excede a todas as que os contam por séculos. Em seu nascimento foi fundada por Elisa filho de Javã, e irmão de Tubal, ambos netos de Noé, donde começou a ser conhecida pelo nome de Eliséia; e depois tão amplificada por Ulisses, que não duvidou a grega ambição de lhe dar, como obra própria, o nome de Ulissipo. Tanto pelo fundador, como pelo amplificador, lhe compete a Lisboa a precedência de todas -as metrópoles dos impérios do mundo; porque enquanto Eliséia, é 222 anos mais antiga que Nínive, cabeça do primeiro império, que foi o dos assírios; e enquanto Ulissipo 425 anos mais antiga que Roma, cabeça também do último, enquanto o dominaram os romanos. Ambas, caminhando ao ocidente, trouxeram das ruínas de Tróia as pedras fundamentais de sua grandeza; mas Roma na descendência de Enéias, ou vencido ou fugitivo, e Ulissipo, na pessoa do mesmo Ulisses; não só vencedor de Tróia, mas o que a sujeitou o poder ser vencida com o despojo da imagem de Palas, a cujo agradecimento edificou na mesma Lisboa o suntuoso templo, que hoje se vê mudado ou convertido no insigne convento de Chelas.

O céu, a terra, o mar, todos concorrem naquele admirável sítio, tanto para a grandeza universal do império, como para a conveniência também universal dos súditos, posto que tão diversos. O céu na benignidade dos ares os mais puros e saudáveis; porque nenhum homem de qualquer nação, ou cor, que seja estranhará a diferença do clima, para os do pólo mais frio com calor temperado, e para os da zona mais ardente com moderada frescura. A terra na fertilidade dos frutos, e na amenidade dos montes e vales em todas as estações do ano sempre floridos; por onde desde o nome de Eliséia se chamaram Elísios os seus campos, dando ocasião às fabulosas bem-aventuranças e paraíso dos heróis famosos. O mar, finalmente, na monstruosa fecundidade de suas águas; porque naquela campina imensa, que nem seca o sol, nem regam as chuvas assim como nos prados da terra pastam os rebanhos dos gados maiores e menores, assim ali se criam sem pastor os marítimos em inumerável multidão e variedade, entrando pela barra da cidade em quotidianas frotas, quase vivos, tanto para a necessidade dos pequenos, como para o regalo dos grandes; sendo também nesta singular abundância Lisboa, não só a mais bem provida, senão a mais deliciosa do mundo.

Do que tudo se convence politicamente, conforme a direta ordem do divino governo, estar Lisboa determinada por Deus para metrópole do seu último e glorioso império do mundo, de que há de ser imperador o Senhor Rei D. Sebastião, rei encoberto e guardado por Deus para novamente reinar neste felicíssimo tempo, como fica provado.

OITAVO FUNDAMENTO DAS TRADIÇÕES
DOS MESMOS MAOMETANOS

Resta vermos provada esta vinda do Senhor Rei D. Sebastião, com tradições dos mesmos maometanos, que, posto que infiéis, contudo não lhes negou Deus a ciência, assim como a não tirou a Lúcifer e seus sequazes. Propriedade têm os animais irracionais de conhecerem os que os hão de apanhar, e tirar a vida.

Quando pois os maometanos deviam estar mais soberbos com a vitória de Portugal, nos consta que não duvidavam confessar aos mesmos portugueses vencidos, esta volta fatal e futura, com que as nossas armas não só haviam de sujeitar aquela pequena parte da África, mas todo o poder maometano.

Francisco de Meneses, e Jorge de Albuquerque, que ficaram cativos em Barberia na perda do Senhor Rei D. Sebastião, contavam, que um alcaide moiro, em cujo poder estiveram, lhes dissera, por muitas vezes, que nos seus Mosefos, ou livros de tradições, estava escrito, que em Portugal havia de nascer uma cobra, a qual seria muito arrogante, e quereria tragar todo o mundo, e que depois de muito adelgaçada por vários acontecimentos, tornaria a engrossar, como a nuvem que toma água, e conquistaria a África, e seria senhora da maior parte do mundo.

Quatro coisas contém esta predição; ou uma e a mesma com quatro circunstâncias: A cobra ou serpente, e o adelgaçar-se e tornar a engrossar, e o dominar os turcos. Neste último estado se vê pintada a serpente nas tabelas ou painéis célebres de Gregório Jordão Vêneto, tabela 6.ª, onde ele declara toda a pintura por estas palavras: Imperatorum turcicorum capitibus imminet serpens se se in gyrum resolvens: supra hos verò novi imperatoris christiani conspiciuntur, qui, extinta turcarum monarchia Constantinopoli, denuo verum patientur: isto é, que sobre as cabeças dos imperadores turcos está iminente e superior a serpente, enroscando-se, e dando muitas voltas, e que do mesmo modo se vêem pintados sobre eles os novos imperadores cristãos, os quais, extinta a monarquia maometana, tornarão a dominar de novo em Constantinopla. E acrescenta o mesmo autor que no sepulcro do mesmo Constantino, que fez imperial a cidade de Constantinopla, e lhe deu o seu nome, se achou o referido em uma' lâmina de prata. Onde o que mais se deve admirar é que assim estivesse já escrito ou esculpido perto de 300 anos antes de sair ao mundo Mafoma.

Antônio de Barros de Sampaio, cavaleiro do hábito de Cristo, contou que estando na Índia, na cidade de Cambaia, em tempo que o Sr. Rei D. Sebastião era de poucos anos, lhe perguntara um antigo cassis dos moiros pelos costumes e coisas do reino de Portugal; e depois lhe perguntara como se chamava o seu rei? E respondendo-lhe que Sebastião, o moiro, metera o dedo mostrador da mão direita na boca, fazendo grandes espantos. Perguntou-lhe ele que causa havia para se espantar? E daí a algum espaço lhe respondeu o moiro: Porque os nossos Mosefos dizem que um rei desse nome Sebastião há de destruir a nossa seita. E, praticando outras coisas, disse o mouro: Eu te afirmo que à Índia hão de vir outras gentes mais alvas: e assim foi, porque lá foram, por nossos pecados, os holandeses.

Contava Gaspar Fragoso, estando em Ceuta a primeira vez que à África passou o Sr. Rei D. Sebastião que um moiro antigo, reputado entre os mais por sábio, em um dia que o dito rei saiu fora com toda a gente de pé e de cavalo, lhe dissera: Teu rei desta vez não há de fazer nada mais que mostrar-se, e há de tornar para Portugal; e há de vir segunda vez com muita gente, mas há de perder-se com toda ela, que será morta e cativa, porém ele há de escapar; e depois de passarem muitos anos, em que ele andará escondido (assim em seu reino, como em outros estranhos) tornará outra vez à Barbaria, e a conquistará, e destruirá a cidade de Mafamede.

Entre estes moiros houve também um filósofo arábio, chamado Acã Burulei, o qual no ano de 1200 escreveu um prognóstico ou vaticínio acerca da destruição de sua lei, o qual anda impresso, e refere Salazar, o padre Guadalajara, e ouros autores; e diz assim: - "Despues de estrañas felicidades, y victorias singulares, que los sequazes de Mahoma alcançaran de los christianos, por el Asia, y otras partes, venderá um rei nascido en los ultimos fines del poniente, de rostro hermozo, que dominarà los christianos, y tendrà el mundo en un anillo, y serà suave de condicion, muito zelador de su ley, y dado a la religion della. Este rei serà el castigo del pueblo de Mahoma, y açote del pueblo de Ismael, el qual con el favor de su religion empeçarà a perseguir los moros, echandolos de sus tierras, y haziendo grandes armadas contra ellos; y serà el castigo, que en ellos harà, tan grande, que se tendrà por bien aventurada la esteril, viendo parecer los hijos de otras con differentes muertes. La espada cortadora de la Morisma, estarà embotada de suerte, que nó cortarà en aquel tiempo, y quanto mas Ismael se esfuerçare, serà para maior perdicion suya; porque los leones son desbaratadores, y moriran a sus manos los cocodrilos del Nilo. Los sagittarios son mas fuertes, que los elephantes con que amenaça Africa. La persecucion serà tan grande, que para llorar nó se darà logar. Su linage serà poderoza, muy justo, fuerte, y muy unido, y llenarà el mundo de las coronas de su caza. Su sceptro serà la vara de Jupiter, su espada la de Marte, y amenaça Agar y Ismael, mientras viviere este rei; y nò seran entonces sus mayores daños: porque deixarà descendencia muy en detrimento de Babilonia, y de Constantinopla, aquien persuado llore, pues saliò su corona, y su colar real se convertiò en cadena de servidumbre; que si bien querrà convalecer, y llevantar cabeça, serà por demàs, y mayor la recahida. De Constantinopla, y del Cayro no quedaran mas que los vestigios, y se dirà: Aqui fue Troya. Jerusalen saldarà de sua caza, y poder del Ismael y entrarà en ella lo monte Calvario, y los estandartes del poniente." Outras muitas coisas predisse este filósofo arábio em seus prognósticos, pertencentes ao nosso intento, as quais porém deixo aqui de ponderar, por causa da brevidade que sigo: só quero referir o que relatara o padre Baltasar Teles, da Companhia de Jesus, e é, que o padre Gonçalo Rodrigues, da mesma companhia, varão de grande autoridade, virtude e letras, referiu, que os abexins tinham uma profecia, a qual era mui relatada pelos seus sacerdotes, que viria tempo em que os portugueses, com um grande capitão seu, iriam presentar batalha ao imperador da Etiópia, o qual seria vencido e morto, e muitos frades cismáticos com ele: que ficaria por rei um irmão seu, e que a Etiópia daí para diante seria governada por vice-rei, que fosse de Portugal.

De que tudo se colige, que a principal vitória, que alcançará, será a da fé e dourina com que converterá a Cristo os mesmos turcos, e os mesmos bárbaros. Assim se vê pintada entre as tabelas acima referidas na tabela 8.ª, onde diz a declaração, que vencido o imperador turco pelo imperador católico: Divina clementia spiritu sui luce, animum ejus illustrante, christiranam religionem cum omnibus suis amplectetur.

Donde manassem estas tradições entre homens sem verdadeira fé daquela sabedoria, que só tem presente e pode manifestar os futuros, nem eles o sabem com certeza; mas o mesmo Deus que dá instinto (como já disse no princípio deste fundamento) à garça para conhecer o falcão que o há de tomar, também o terá dado a estes bárbaros. Quando não digamos que fosse revelação feita a algum dos grandes santos cativos, ou livres, que entre eles viveram e padeceram. Podendo também ser, que a divina providência concorresse para este juízo por meio da observação de seus astrólogos, que, na Arábia principalmente, foram insignes nesta arte.

Tenho descoberto bastantes fundamentos, tanto à curiosidade dos que os quisessem saber, como à incredulidade dos que os duvidassem supor, povando, como prometi, a contingência da minha questão com razões e conjeturas, com profecias e vaticínios, com revelações, com prodígios, com prognósticos dos mais insignes astrólogos, com a fé dos históricos, com o discurso dos políticos, e ultimamente com as tradições dos mesmos maometanos, concordes todos, em que a exaltação da monarquia universal do mundo, e extinção da potência do turco, a tem reservado a providência divina para as vitórias e triunfos de Portugal, e para estabelecimento nele do império de Cristo: Volo in te, et in semine tuo imperium mihi stabilire.

Deles consta o haver encoberto, e o haver de ser Portugal império: deles se conhece também a vinda do Sr. Rei D. Sebastião. Porém para mais clareza, e para mais evidentemente se ver o ser ele o prometido em tantos vaticínios, vamos explanando os sinais, e especificando as circunstancias deste encoberto, e veremos que só nele se vêem, acham, e claramente manifestam, assim como prometemos no princípio do segundo fundamento deste discurso.

Primeiramente, quanto este nome de encoberto pertença ao Sr. Rei D. Sebastião, se vê, pois sendo ainda menino lhe dava este nome o sapateiro santo Simão Gomes, dizendo então a várias pessoas como aquele menino rei era o encoberto.

Santo Isidoro na profecia 55 diz assim: "Llamado serà el encuberto por las altas montañas, y con catholico zelo dexarà la tierra huerfana."

Assim lhe chamou também S. Pedro de Alcântara; e nos vaticínios que se acharam por morte D'el-Rei D. Manuel diz um deles:

Mas o garfo ficará
Escondido na mãe, certo,
E por ficar encoberto
Este o encoberto será.

E discorrendo pelos mais sinais, veremos como só a ele competem, e nele se verificam.

O primeiro sinal (segundo S. frei Gil, santa Leocádia, Pedro de Frias, e outros, que estão vistos) que há de ser português. Isto escusa prova.

O segundo sinal é, segundo santo Angelo, carmelita, que há de ser este rei da descendência antiga dos franceses; e sr. Rei D. Sebastião é neto de Carlos V, o qual foi descendente de Carlos Magno, rei de França.

O terceiro sinal, é segundo frei Afonso Cavaleiro, que este rei não há de ser filho de rei, nem de rainha, e isto bem se deixa ver em o Senhor Rei D. Sebastião, que foi filho do príncipe D. João, e da princesa D. Joana.

O quarto sinal é que o nome deste rei, segundo Rosacelsa, o Beato Antônio, e outros, há de começar no S, e isto se vê claramente em o Sr. Rei D. Sebastião, e muito antes dos referidos o tinha predito a Sibila Eritréia dizendo em o canto 13:

La letra diez y ocho del abecedário
Será venerada, y la tilde con ella ;

e que havia de ser o nome de cinco sílabas: Cujos nomen extimabiliter quinque apicibus conscribitur. Nenhum rei teve o nome de cinco sílabas, como o nome de Sebastianus.

O quinto sinal é, segundo S. Cláudio, que este rei há de ser coroado aos 14 anos de sua idade; e isto se viu no Sr. D. Sebastião.

O sexto sinal é, segundo o mesmo santo, que há de ser guerreiro até aos 24 anos, e com esta idade empreendeu aquela triste guerra, este soberano rei.

O sétimo sinal é, segundo S. Metódio, João Carrião, e outros alegados, que há de ser este rei reputado por morto. Isto bem se deixa ver claramente no Sr. Rei D. Sebastião.

O oitavo sinal é, que deste rei já se não há de cuidar; que reinará, segundo S. Teófilo, e outros alegados; e isto patentemente se vê no Sr. Rei D. Sebastião.

O nono sinal é, que, segundo a Sibila Eritréia, em o canto 14, Rosacelsa, e outros alegados, há de ser vencido este rei, e disto é testemunha o campo de Alcacerquibir, em que foi derrotado por mistério divino, este santo monarca lusitano.

O décimo sinal é, que, segundo S. Nicolau Factor, Rosacelsa, S. Zacarias, S. Frei Gil, S. Metódio, Carrião; e outros alegados há de este rei deixar o reino para fazer guerra aos infiéis e isto bem se viu no Sr. Rei D. Sebastião.

O undécimo sinal é que, segundo a profecia do religioso napolitano, que está na livraria de S. Antônio de Cascais, este rei há de ser o que pôs a Portugal em miséria; e isto está patente para o Sr. Rei D. Sebastião, porque depois da sua perda de África sucederam a Portugal muitas misérias: bastavam por todas a perda do exército, e depois por falta da sua sucessão, o violento domínio de Castella.

O duodécimo sinal é que, segundo Pedro de Frias, há de ser este rei bisneto de El-Rei D. Manuel; e não há outro, segundo creio, senão o Sr. Rei D. Sebastião.






Um comentário:

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    Comentário Único - demais descrições, na pág. devida - Clavis Prophetarum
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    Eis aqui, a Luz da parábola da 'guita' do Cerzir do Corpo de Cristo [citada no comentário da pág. Pde. Antônio Vieira - Blog O Cerzidor]. Todos os comentários, observações e notas, sublimados em Isaías [pelos profetas - A Ascensão de Isaías] na imagem da profecia da Corte [na travessia do mar, à terra que Mana Leite e Mel - 'Vinde, Benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.'] ... fazem-se presentes nas palavras das 14 vestes descritas no Guia Núcleo Bios [à Núcleo Casa] na Forma de link's.

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